Quando O Sexto Sentido estreou em 1999, era uma anomalia. Era um filme de um diretor desconhecido e de nome estranho – seus dois primeiros trabalhos haviam passado despercebidos. Numa era em que os filmes já eram voltados para a ação e para efeitos visuais, O Sexto Sentido não tinha nenhuma dessas coisas. Numa era em que os filmes ficavam cada vez mais rápidos e “videoclipados”, O Sexto Sentido podia até ser considerado “paradão”. E numa era em que filmes de terror estavam voltando às boas bilheterias depois de Pânico (1996), de novo O Sexto Sentido ia contra a corrente. O filme não tinha personagens adolescentes nem assassinos mascarados. De fato, ele até misturava o seu tema sobrenatural com drama.

E contrariando os prognósticos, o filme foi um dos maiores sucessos do ano. Como numa reviravolta inventada por um habilidoso roteirista, no final das contas O Sexto Sentido eclipsou até pesos-pesados daquele ano, como o relançamento da saga Star Wars com A Ameaça Fantasma, ou o último filme de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados. Como Matrix, lançado no mesmo ano, foi um trabalho que surpreendeu o público e sinalizou a chegada de uma nova voz – e a exemplo dos irmãos Wachowskis, criadores de Matrix, o diretor/roteirista de O Sexto Sentido M. Night Shyamalan se veria eternamente forçado a fazer jus ao trabalho que o revelou.

Foi o terceiro filme de Shyamalan, diretor de origem indiana que antes havia feito um trabalho parcialmente autobiográfico, Praying with Anger (1992) e o drama Olhos Abertos (1998). Shyamalan tem entre seus ídolos Alfred Hitchcock e Steven Spielberg. Com O Sexto Sentido ele pôde se arriscar num suspense filmado num estilo hitchcockiano, mas adicionando o tema sobrenatural, algo que o “Mestre do Suspense” rejeitava. O resultado foi uma obra que comoveu o mundo por tocar em temas bastante universais: o medo da morte e a história de um personagem encontrando seu lugar no mundo.

Shyamalan começa o filme enfocando um psicólogo infantil, o doutor Malcolm Crowe (interpretado por Bruce Willis). Ele está em casa com a esposa (Olivia Williams), tomando vinho e celebrando uma homenagem que recebeu da prefeitura da Filadélfia. Ele, no entanto, não parece acreditar muito naquela homenagem, como se não se sentisse merecedor dela. Então ocorre algo naquela mesma noite envolvendo um antigo paciente, e a vida do casal muda para sempre. Alguns meses depois, Crowe assume um novo caso, o do garotinho Cole Sear (Haley Joel Osment). Cole é criado apenas pela mãe (Toni Collette), é retraído e passa por episódios de susto incompreensíveis para todos. “Possível desordem de comportamento” é o diagnóstico do psicólogo.

Quando a situação de Cole atinge o proverbial “fundo do poço” (ou no caso dele, o fundo de um armário escuro), o menino não tem opção a não ser confessar seu problema para o dr. Crowe. Cole “vê gente morta, o tempo todo” – uma das citações cinematográficas mais repetidas dos últimos anos. Inicialmente Crowe não acredita no menino, mas logo se vê forçado a ajudar Cole a dominar seu estranho “dom”.

É impressionante constatar como O Sexto Sentido é bem dirigido. Cada enquadramento é preciso, a câmera está quase sempre parada e cada movimento dela possui uma razão para existir. A ambientação fria da Filadélfia lembra a Georgetown de O Exorcista (1973) e o andamento da trama, assim como sua reviravolta final, deixa o longa com um ar de episódio de Além da Imaginação – outras duas influências confessas de Shyamalan.

E a performances dos atores são nada menos que extraordinárias. Willis, contido e focado, tem aqui um dos melhores momentos da sua carreira. Olivia Williams e Toni Collette transmitem veracidade à história e atuam como contrapontos reais aos eventos fantásticos presenciados pelos outros personagens. E Haley Joel Osment impressiona pela inteligência e maturidade da sua atuação como Cole. É ele quem nos faz acreditar na história e no dilema do seu personagem, e sua evolução ao longo do filme é impressionante.

Há uma forte dimensão espiritual em O Sexto Sentido. Seria fácil, para Shyamalan, seguir o caminho do thriller com essa história – com um pouco de imaginação, o espectador consegue visualizar Cole e seu psicólogo sendo atormentados por uma assombração ou coisa assim, como num terror tradicional de Hollywood. E realmente, O Sexto Sentido tem sua parcela de cenas assustadoras. Porém, o diretor/roteirista prefere se concentrar no lado humano. Por exemplo, como nas cenas entre Cole e sua mãe – o momento em que eles se divertem um pouco com o carrinho de supermercado, ou a cena final entre eles no carro, são belos e tocantes momentos.

Essa abordagem faz com que, aos poucos, enquanto Cole começa a aprender a usar seu dom, Shyamalan desmistifique a presença dos fantasmas na história e passamos a sentir menos medo deles. Cole sabe o que há após a morte, e parece ser um pouco mais de vida, pelo menos até os fantasmas resolverem algumas pendências. Cabe ao menino ser o responsável por esse processo de ajuda e orientação. Fica então clara a visão de Shyamalan sobre esse processo: a diferença entre dom e maldição depende do que as pessoas fazem com as coisas que recebem, e também dos mestres capazes de lhes orientar no caminho, e esse é o papel de Malcolm.

E quanto ao final do filme, o principal motivo pelo qual ele é lembrado, ele faz sentido do ponto de vista emocional e temático da história. Passamos o filme inteiro acreditando que Cole é o protagonista e Malcolm, uma figura paterna, um “mestre”. O fim nos revela que na verdade o protagonista era Malcolm, e que o discípulo acabou ensinando ao mestre. Além disso, o filme todo se baseia na ideia da proximidade entre os mundos dos vivos e dos mortos, entre o real e o sobrenatural – perfeitamente simbolizado pela cor vermelha, utilizada em figurinos e objetos de cena, para evocar lugares e instrumentos que foram tocados pelos dois mundos. Ora, se há essa proximidade, nada mais natural que esses dois mundos se misturem, e personagens de um acabem transitando para o outro.

O final também funciona porque Shyamalan, como um verdadeiro mágico, nos engana. Espectadores que prestarem atenção na história talvez até consigam adivinhar com antecedência a surpresa do final, mas este só funciona porque o diretor/roteirista é muito hábil em nos mostrar apenas o que deve ser mostrado para preservar essa surpresa. Cole diz a Malcolm que os fantasmas “só veem o que querem ver”. Já Shyamalan, conduzindo a plateia como um mestre, só nos mostra o que quer mostrar. E por isso seu filme funciona.

Hitchcock, ídolo de Shyamalan, dizia que os filmes são “iguais à vida, mas sem as partes chatas”. O cineasta indiano expressou essa noção com maestria em O Sexto Sentido, eliminando qualquer cena que pudesse dissipar o encanto sobre a plateia e confundindo a fronteira entre a vida e a morte até ela deixar de existir na mente do espectador. Por isso mesmo, é uma pena que a própria carreira dele tenha sofrido uma “reviravolta surpreendente” depois do sucesso deste filme. Embora seu talento como diretor permaneça – e isso é o mais trágico – Shyamalan embarcou na sua egotrip particular e os roteiros de sua autoria foram ficando cada vez mais tolos, culminando nos patéticos A Dama na Água (2006) e Fim dos Tempos (2008). Hoje ele é apenas mais um operário padrão dos estúdios, dirigindo blockbusters.

Que o diretor aclamado como o “novo Steven Spielberg” depois de O Sexto Sentido iria se transformar nessa caricatura era algo impensável em 1999. Porém, a vida em Hollywood guarda mais mistérios e surpresas que os finais surpreendentes criados por roteiristas. Mesmo assim O Sexto Sentido e mais um ou dois filmes da carreira de M. Night Shyamalan ainda permanecem lembrados como exercícios maduros de um cineasta inteligente. Hoje Shyamalan parece um fantasma, mas por um tempo ele esteve vivo.