Em maio de 1999 entrei num cinema para ver um filme chamado Matrix.

Antes, um pouco de contexto. Sempre fui “vidrado” em cinema fantástico. Ficção científica, ação, suspense, terror, fantasia, ou tudo isso ao mesmo tempo, eram as coisas que mais me apaixonavam no cinema. Hoje em dia essa paixão pelos chamados “gêneros menores” diminuiu um pouco, mas continua presente… Porém, apesar da minha predisposição favorável a esse tipo de filme, ao entrar naquele cinema em 1999, entrei sem expectativas. O longa tinha estreado nos Estados Unidos em março, mas eu não tinha visto nada sobre ele, nem o trailer.

Aliás, me corrijo: se existiam expectativas, eram para o lado negativo. O pouco que sabia de Matrix havia lido em algum exemplar da revista Sci-Fi News (sim, por um tempo eu as colecionei, eu era um grande nerd). A revista dizia que a trama era sobre um personagem que se descobre vivendo numa “realidade virtual”, um conceito que nem chega perto de descrever o filme.

Matrix, com Keanu Reeves

Esse arremedo de sinopse me lembrava de outro filme com o Keanu Reeves, lançado alguns anos antes, o fraquíssimo Johnny Mnemonic: O Cyborg do Futuro (1995), e essa não era uma boa lembrança. Além disso, eu já tinha visto o primeiro longa dos diretores de Matrix, Andy e Larry Wachowski, o suspense Ligadas pelo Desejo (1996), e o tinha achado apenas mediano. Eu nunca o revi, seria interessante ver o que acontece numa revisão…

E para completar, só havia um filme nos corações e mentes dos cinéfilos e aficionados por fantasia naquele ano: Star Wars: Episódio 1 – A Ameaça Fantasma (1999). George Lucas estava retomando sua famosa saga 16 anos depois do final da velha trilogia, e esse filme prometia, simplesmente, parar o mundo… Pelo menos, era assim que todos se sentiam naquela época.

Pois bem… Entrei no cinema, me sentei, uma versão sombria da vinheta do estúdio Warner Bros. apareceu, uns caracteres verdes percorreram a tela, uma mulher numa roupa de couro brilhante começou a fazer movimentos impossíveis, e eu cocei minha cabeça.

Duas horas e alguns minutos depois, eu não podia acreditar no que tinha visto.

Passado o impacto, comecei a refletir sobre o filme. A ideia por trás da trama de Matrix não é realmente original. O roteiro segue o clássico modelo da “jornada do herói” definida pelo escritor e estudioso de mitos Joseph Campbell, e que foi popularizada em Hollywood justamente por George Lucas no primeiro Star Wars, lá em 1977. Temos o herói, Neo (Reeves), um hacker de computador que embarca numa jornada que lhe fará conhecer o seu mundo, ao lado de aliados e de um mentor – Morpheus, personagem de Laurence Fishburne. Neo combate o mal e ao final transcende, deixando o mundo um lugar melhor, e isso dá ao longa um subtexto mitológico e quase religioso.

Carrie-Anne Moss em Matrix

No entanto, duas coisas fisgaram o publico em Matrix. A primeira, a mistura dessa tradicional estrutura da “jornada do herói” com uma ideia existencialista. E se o mundo não for exatamente do jeito que percebemos com nossos sentidos limitados? Ecos do mito da Caverna de Platão guiam a história. E se tudo que vemos no nosso dia-a-dia, do momento que acordamos até quando vamos dormir à noite, não passar de uma simulação de computador? Isso não explicaria o quanto a realidade parece estranha em alguns momentos?

Na trama, Neo é recrutado pela organização do misterioso Morpheus, o mais famoso cyber-terrorista do mundo. Neo sente que há algo de errado com a vida e com tudo nela. Ele não sabe o quê, apenas sente… Morpheus lhe apresenta à resposta (“Tome a pílula azul e eu lhe mostrarei até onde vai a toca do coelho”, ele diz, referenciando o livro “Alice no País das Maravilhas”). E a resposta é terrível: O mundo não existe mais, e o que a as pessoas consideram realidade foi criado pelas máquinas que escravizam a raça humana.

As maquinas mantêm a humanidade adormecida, controlando suas mentes. Porém, a mente não conhece limites e pode se libertar. E isso tornou possível o outro motivo pelo qual Matrix conquistou o publico: a forma como foi filmado. Os heróis aprendem a romper as regras da realidade artificial, a Matrix, e isso libertou as mentes dos irmãos Wachowski (também autores do roteiro), fazendo com que eles pudessem imaginar as cenas mais incríveis – e, obviamente, contando também com magníficos efeitos visuais para pôr essas ideias na tela.

Matrix é um filme absolutamente pós-moderno, influenciado por tudo que seus diretores viram e consumiram durante suas vidas. Por vezes parece uma história em quadrinhos filmada – o espectador consegue imaginar os storyboards que originaram as sequencias de ação. Outras vezes, parece um filme de ação no estilo de Hong Kong. E em outros momentos, não parece com nada: a produção inventou novas maneiras de fazer cinema, especialmente nas famosas cenas do bullet time, na qual a câmera gira ao redor dos personagens.

Keanu Reeves em Matrix

Tudo isso para dar suporte a uma historia que, no fundo, é a mais velha de todas, na qual o protagonista busca responder a mais básica de todas as perguntas: “Quem sou eu?”. Não que isso diminua o filme, aliás, pelo contrário. A maneira como o público respondeu a ele indica o quanto esse tipo de história ainda toca a humanidade num nível muito básico.

No começo de 1999, Star Wars: Episódio 1 era o filme que todo mundo queria ver. Acabou sendo uma decepção, mas isso é outra história… No final de 1999, Matrix era o filme que todos haviam adorado. Na cerimônia do Oscar, um ano depois, foi o segundo filme mais premiado da noite, vencendo 4 estatuetas – apenas o vencedor de Melhor Filme, Beleza Americana, o superou com 5 prêmios. Mas sua história não se limitou aí. Os personagens, de certa forma, anteciparam a invasão dos super-heróis no cinema. As cenas de ação foram imitadas e parodiadas. Os efeitos e a narrativa deixaram claro que, no cinema, nada supera a imaginação e a criatividade. Com isso, mesmo as velhas histórias se tornam novas.

E a minha história pessoal com o filme continua. Matrix foi o primeiro DVD que comprei, e aquele disquinho foi muito assistido… Meu Blu-ray do filme também já rodou algumas vezes. Até gosto das continuações, ao contrário de muitos – claro, Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003) têm sua cota de problemas e não chegam perto do impacto do primeiro, mas a história que contam não é menos surpreendente. Porém, isso também é outra história, para outro artigo.

A respeito do longa original, sempre que o assisto sinto a mesma emoção. É um filme com energia, criatividade e espírito jovem. O cinema é uma realidade fabricada, por isso pode-se dizer que os irmãos Wachowski, sua equipe e seus atores foram os verdadeiros arquitetos da Matrix, nos fazendo ver diferentes realidades com novos olhos. Matrix nos faz imaginar, e essa é a sua maior qualidade.

Deu até vontade de assistir de novo.

Matrix, com Keanu Reeves e Laurence Fishburne