AVISO: SPOILERS do final da oitava temporada da série no início do texto abaixo, e também há leves SPOILERS do final desta nova temporada.

O episódio final da série 24 Horas, exibido em 2010, terminava literalmente com a imagem do seu herói, Jack Bauer, “saindo do ar”. Observado por uma câmera de satélite pela sua fiel aliada Chloe O’Brien, Jack olhava para a câmera, agradecia à sua amiga e então… desaparecia. O futuro não parecia bom para ele. Após ter perdido tudo ao longo dos anos na sua luta para defender os Estados Unidos de atentados terroristas e planos nefastos, Bauer terminava sendo abandonado pelo seu país e em fuga, prestes a ser caçado pelos russos.

De forma coerente com a sua trajetória, a série não ofereceu um final feliz para o seu protagonista. Num mundo pós-11 de Setembro, 24 Horas alcançou uma relevância não imaginada pelos seus criadores quando ela estreou, em novembro de 2001. Ao abordar o tema do terrorismo, a série conseguiu explorar os maiores pesadelos americanos e os apresentava num contexto mais épico, num mundo de escolhas impossíveis que não permitia finais totalmente felizes. Com o tempo, aliás, o espectador até começou a se questionar se era possível haver um final feliz para Jack Bauer.

Quando 24 Horas terminou, era o fim de um seriado notavelmente bem produzido e que, no seu auge, ajudou a diminuir a distancia entre a TV e o cinema, que até então detinha a primazia sobre tramas de ação grandiosas e cheias de suspense. A principio, o que chamou a atenção do publico era o gancho do “tempo real”: cada episódio da temporada correspondia a uma hora de um dia, durante o qual algum plano terrorista ameaçava destruir os Estados Unidos ou matar milhares dos seus cidadãos, e apenas um homem lutava para fazer a coisa certa, muitas vezes sob circunstâncias impossíveis. Apesar do gancho, o público acabou acompanhando o programa por causa do protagonista e envolvendo-se com carisma, sua loucura e suas tragédias.

Quando a série acabou, oito temporadas e um filme para TV depois, a audiência já não era mais tão grande e não mais compensava, por um ponto de vista criativo, manter o programa no ar. Mas aí é que está: uma série de TV só morre de verdade quando some da memória dos seus espectadores. Com o passar dos anos, Jack Bauer permaneceu vivo nas reprises e nos DVDs, e o interesse do publico passou a justificar trazê-lo de volta. A princípio surgiu a ideia de um filme de cinema, mas indefinições a respeito do roteiro e dentro do próprio estúdio fizeram com que o retorno de Bauer acontecesse mesmo na telinha.

24 Horas: Viva um Novo Dia, a ressurreição da série, se passa quatro anos após o fim da oitava temporada. A trama se passa em Londres, onde Jack Bauer (Kiefer Sutherland) finalmente reaparece, após anos sendo procurado pelas autoridades americanas e russas. No entanto, ele ressurge para impedir uma iminente ameaça ao presidente americano James Heller (William Devane), que está na capital inglesa para assinar um tratado. Sua administração enfrenta antipatia da população devido ao uso de drones, aviões teleguiados feitos para destruir seus alvos à distância. E são precisamente os drones que se voltarão contra os EUA e a Inglaterra, quando a terrorista Margot Al-Harazi (Michelle Fairley) assumir o controle deles para executar seu plano de vingança.

Impressiona, nesse retorno da série, a facilidade com a qual 24 Horas retomou sua produção. É como se o hiato de quatro anos não tivesse ocorrido: desde os primeiros minutos do primeiro episódio, estamos de volta ao clima de conspiração, ao relógio correndo e, pelo menos neste início, aos diálogos expositivos que tanto marcaram a trajetória da série. Afinal, nada mais natural que, junto com as qualidades, retornem também os defeitos do programa…

Essa facilidade com que 24 Horas voltou à ação se deve principalmente ao retorno de vários nomes-chave da produção da série por tantos anos, como os roteiristas e produtores Howard Gordon, Manny Coto, Evan Katz e Robert Cochran (co-criador do seriado), bem como do diretor Jon Cassar, que no passado comandou alguns dos melhores episódios. Por um lado essa familiaridade é uma coisa boa, pois a série (quase sempre) se mostrou sólida – até nas suas temporadas mais fracas 24 Horas conseguia entreter razoavelmente. Porém, esse retorno também demonstra que mais nada de novo pode ser feito com o formato do seriado. Espectadores que possivelmente esperam algo diferente podem se decepcionar – é basicamente uma “nona temporada”, e não uma verdadeira reimaginação para a série.

E havia motivos para esperar algo novo. Ao contrário dos anos passados, Viva um Novo Dia foi composto apenas de 12 episódios ao invés dos tradicionais 24. A trama contou uma crise em metade de um dia, e apenas no último episódio há um salto temporal, para terminar as coisas 24 horas depois que elas começaram. O modelo com menos episódios é claramente copiado das séries da TV a cabo, e trouxe flexibilidade e um maior dinamismo à temporada. Tramas que, no passado seriam estendidas, foram concluídas rapidamente em Viva um Novo Dia, e a temporada sustentou um ritmo acelerado e urgente. Pôde não ter havido um frescor do ponto de vista narrativo, mas pelo menos houve boas doses de suspense e ação que lembraram o auge do seriado.

Os roteiristas também foram inteligentes ao trazer de volta figuras importantes para a história da série. Ao invés de criar personagens novos e ter todo o trabalho de estabelecê-los, Viva um Novo Dia traz de volta Heller, a filha dele Audrey (Kim Raver), um sólido interesse romântico de Bauer, e a Chloe (Mary Lynn Rajskub), agora com um visual estilo “Lisbeth Salander”.  Todos já conhecem seus papeis e atuam bem, especialmente Devane como Heller – é dele o momento mais comovente da temporada, no episódio final. Até um vilão dos velhos tempos, um dos poucos a escapar da fúria de Bauer, também retorna nos últimos episódios…

Já dentre os personagens novos, Fairley faz uma vilã sólida e de presença, e Yvonne Strahovski convence ao fazer da agente Kate Morgan uma figura forte. Inicialmente, sua determinação em prender Bauer parecia uma forma artificial de criar tensão, mas depois os roteiristas acertaram a personagem ao transformá-la em aliada. A série também não perde a chance de se relacionar a acontecimentos recentes ao inserir na trama os drones e ao colocar o ator Michael Wincott para viver uma figura claramente inspirada em Julian Assange – e o arco dele durante a temporada revela a opinião dos roteiristas da série em relação à figura real, e ela não é positiva…

E quanto a Kiefer Sutherland, ele já conhece o personagem e ainda consegue encontrar coisas interessantes para fazer com ele. A atitude durona de Bauer já é conhecida e o intenso ator tira de letra esses momentos. Porém, é em outras cenas, como algumas conversas com Audrey ou Kate, que ele se mostra um ator superlativo, aproveitando ao máximo os poucos momentos de emotividade do seu icônico personagem. Como a própria série, Sutherland volta ao papel de Bauer com facilidade e entrega.

A tensão da temporada se escala a ponto de, nos episódios finais, os personagens estarem lutando para evitar a terceira guerra mundial. Como sempre, em 24 Horas, as ameaças são grandiosas e levadas a sério, assim como o senso de tragédia. É no final que Viva um Novo Dia revela suas limitações narrativas: como encerramento da série, o fim da oitava temporada funciona melhor, enquanto aqui as coisas simplesmente ficam sombrias demais até para os padrões da série, e o final se torna um pouco insatisfatório.

No fim das contas, quando se faz a pergunta crucial “havia uma necessidade realmente criativa e interessante para se reviver a série?”, a resposta, pelo que se vê em Viva um Novo Dia é “não”. Mas no conjunto, e apesar de alguns problemas, foi uma boa temporada com o suspense, a ação e até o lado negro, característicos de 24 Horas. A experiência mostra que, em teoria, os produtores poderiam fazer mais 24 Horas até Kiefer Sutherland ficar velho: a máquina da série se mostra bem azeitada e resistente. Se vale a pena fazer mais é outra história. Afinal, com o tempo passamos a gostar de acompanhar Jack Bauer, mas ele vive num mundo tão à parte, e tão repleto de terror, que talvez deixa-lo sair do ar seria a atitude mais digna.

Nota para a temporada: 7,5