Leitores do Cine Set já devem estar mais do que familiarizados com os nomes de Rod Castro, Emerson Medina, Leonardo Mancini, Diego Nogueira e Rafael Lima, membros de uma famosa “gangue” que vem trazendo vigor inventivo e apuro técnico à produção do cinema amazonense. Vencedores de prêmios no Amazonas Film Festival do ano passado, os rapazes fizeram uma nova aparição triunfal na noite de segunda (30), na 2ª Vernissage de Cinema Amazonense, realizada no Cine Teatro Guarany.

Com propostas estéticas similares e espírito coletivo, o grupo é movido pela grande paixão por filmes, tanto como espectadores quanto como realizadores. Essas características ficam patentes nos novos trabalhos, mesmo com as diversas falhas que prejudicam os trabalhos, às vezes por inexperiência, às vezes por falta de um pleno domínio dos recursos técnicos. A minha análise será dividida por obra, com um comentário rápido a respeito de cada uma, e a nota a elas atribuída. Todas, porém, valem a conferida e esperamos, quem sabe, por bons resultados no AFF desse ano.

“Quando um Homem Diz Amém”, de Diego Nogueira

A obra que inaugurou a sessão da Vernissage vem do diretor e roteirista Nogueira, que ganhou o prêmio da segunda categoria no AFF por “Póstumo”, sensível (ainda que breve) reflexão sobre o tempo perdido. Em sua primeira incursão pela comédia, ele mostra maior cuidado técnico, mas peca pela falta de intimidade com o gênero, tanto no texto como na mise-en-scène. O mote é bastante simples: um casal (João Paulo Salazar e Thaís Fernandes) se arruma para ir a uma festa. Ele está pronto, mas ela não – e sua demora típica vai tirá-lo pouco a pouco do sério. Apesar de alguns diálogos artificiais, o texto de Nogueira funciona e a maior fluidez da câmera e da edição (esta com o maior destaque) empresta um bom ritmo ao trabalho. A grande fraqueza é mesmo o casal de atores: com dicção e gestual claramente amadores, eles acabam por prejudicar o envolvimento do espectador com a obra – problema que um diretor que persegue o natural, o coloquial, necessário à comédia urbana, certamente precisa resolver com urgência. Nota: 6,5.

“Papo de Elevador”, de Emerson Medina

O aguardado resultado de um curso que o diretor de “Et Set Era” (Melhor Filme no AFF, em parceria com Rod Castro) fez na Academia Internacional de Cinema, em São Paulo, infelizmente decepcionou. “Papo de Elevador”, um empreendimento coletivo dos alunos do projeto, que trabalharam em condições disciplinadas de orçamento, elenco e até tempo de duração (o filme tem pouco mais de dois minutos) desperdiça sua premissa com um elenco fraco e falta de timing cômico. Um homem (Leandro Destácio) com síndrome de Tourette, distúrbio caracterizado nos filmes principalmente como uma explosão descontrolada de palavrões, fica preso num elevador com uma mulher (Márcia Pandeló) – esta, supostamente “normal”. A atuação vacilante de Pandeló e a construção irregular do clímax, além da curtíssima duração, acabam por tornar este o ponto baixo do evento. Fica a expectativa por outro trabalho do talentoso cineasta, em condições menos restritivas. Nota: 6,0

“H2O”, de Moacyr Massulo

O único curta já conhecido do público, “H2O” confirma o engajamento e a inteligência do trabalho de Massulo (“Televisão”). Concebido, dirigido e interpretado pelo próprio, o filme parte da hipótese intolerável do fim da existência da água na Terra para desenvolver visões de pesadelo, conduzidos por uma tensa e insistente trilha sonora. Insistente, por sinal, até demais – baseada em percussão eletrônica, a música não para um minuto, causando desconforto de quem assiste. Fica clara a intenção de Massulo e é admirável apostar no uso da música em vez de diálogos, mas seus filmes só têm a ganhar com uma utilização mais sutil do recurso. A montagem também é mal resolvida, levando o filme mais aos “trancos” em cortes bruscos do que de forma fluida. A inteligência e ousadia do roteiro, porém, resiste a esses defeitos, e o resultado é um dos melhores curtas amazonenses do ano passado. Nota: 7,5

“Germes”, de Rafael Lima

A grande surpresa da noite. Lima, que sempre colaborou nos projetos de seus parceiros de turma, também resolve mostrar a que veio com “Germes”. Trazendo o amigo Leonardo Mancini numa ótima atuação, a obra parte de um mote em princípio batido (rapaz que é obcecado com limpeza) para desenvolver uma comédia despretensiosa e realmente engraçada. Talvez pela inexperiência, Lima usa recursos mais “clássicos” de narrativa, sem muitos ângulos ousados, planos-sequência ou edição fragmentada. Essa aposta no que é mais seguro acaba fazendo de “Germes” o filme mais coerente e satisfatório da Vernissage, onde tudo funciona: fotografia, música (especialmente boa na sequência do banheiro do bar), montagem. Mancini também confirma o talento cômico já mostrado em “Uma Bela Dama” (vencedor do prêmio do público no último AFF) e confirma ser o ator mais maduro da trupe. Nota: 8,0

“A Lista”, de Leonardo Mancini e Rod Castro

Este foi o mais anunciado e aguardado do evento, e realmente é bom, desenvolvendo uma trama absurda e engraçada com um mote familiar a todos: jovem que não passa no vestibular (numa boa atuação de Diego Nogueira) decide matar os que ficaram na lista de repescagem pra levar a vaga. O filme é o mais bem produzido da “gangue” até agora, mas infelizmente não alcança os altos resultados de “Germes” e “A Última no Tambor”, de Ricardo Araújo d’Albuquerque, que, junto com “Rota da Ilusão”, de Dheik Praia, foi o melhor curta amazonense de 2012. Isso se deve a uma séries de “arestas”, que surgem aqui e ali ao longo da obra: atuações irregulares (Emerson Medina, como o pai de Diego), uso exagerado da música, mas principalmente o emprego excessivo do plano-sequência, como se os parceiros diretores Mancini e Castro tivessem descoberto um brinquedo novo e não conseguissem largá-lo. O efeito funciona muito bem no primeiro assassinato, que se beneficia ainda do vigor espontâneo da atuação de Nogueira, mas, na morte final, o que se vê é uma tomada interminável, que leva ainda a outra (!) cena também interminável. As estripulias dos rapazes são sempre bem-vindas, mas é necessário um amadurecimento da técnica para que elas sejam empregadas de forma adequada. Apesar disso, funciona: o filme é interessante, divertido e certamente bom de se ver. Nota: 7,5