Quem se lembra das propagandas da Sessão da Tarde na qual um narrador misterioso soltava a seguinte pérola: “essa turminha do barulho vai se meter nas maiores confusões” ou “galerinha que é puro alto-astral vai arranjar muita confusão”? O bordão memorável acaba sendo inserido no contexto desta crítica, porque a tal “galerinha” é a geração dos youtubers, que de uns dois anos para cá, vem atacando as salas de cinemas. Ano passado, a musa Kéfera mostrou que a comédia nacional poderia abraçar o capeta da pior forma possível com o exagerado e bizarro É Fada.

Em 2017, o primeiro a aportar nos cinemas nacionais é a biografia Eu Fico Loko, dirigida por Bruno Garotti que se baseia nos livros homônimos do fenômeno da web, Cristian Figueiredo. Nele, o youtuber (interpretado por Filipe Bragança) relata as suas experiências de vida, no que consiste relacionamentos amorosos, perda da virgindade, bullying escolar, o amor pelos curtas-metragens, entre outros. Sinceramente, nunca vi nenhum dos programas de Figueiredo, por isso é até difícil criar alguma opinião preconcebida (ou preconceito) em relação a sua obra. Ainda assim não tem como não saber quem realmente ele é, afinal seu famoso bordão “E aí, meus lokões e lokonas deste meu Brasil, é expressado com frequência pelos jovens de hoje.

Por isso, meninos e meninas do Cine Set, fandoms e haters do youtuber, eu tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que Eu Fico Loko passa longe de ser ruim ou desastroso no contexto geral quando comparado ao filme de Kéfera. Há elementos da comédia juvenil que funcionam e o esforço de Garotti (também roteirista) em transformar os episódios da vida de Christian em uma narrativa linear com início, meio e fim, resulta em recorte válido por parte do diretor, jamais tornando o produto em algo grosseiro ou histérico. A má notícia é que o roteiro é raso em equilibrar a biografia real do astro com elementos mais sólidos do ponto de vista cinematográfico.

Há tentativa do longa-metragem de se vender ao público como uma comédia adolescente tradicional esperta, de fazer a saga de Christian numa espécie de Ferris Bueller (do clássico Curtindo a Vida Adoidado) ao contrário. Temos diversos clichês como o jovem desajustado emocionalmente, que vive humilhações no colégio e frustrações nos amores. Se por um lado, cria o elo de identificação necessário do personagem junto ao público, por outro lado não o desvencilha dos estereótipos criados, até porque o roteiro não se esforça em nenhum momento de sair dos clichês e da superficialidade. Falta explorar e aprofundar melhor a figura de Christian. Nunca entendemos quem é ele, como funciona sua dinâmica familiar – esta situação complica-se quando o próprio youtuber aparece em certo momento para dizer que os pais tiveram fundamental importância para torná-lo quem é, mas em nenhum momento presenciamos isso no longa– e quais os seus reais desejos e interesses com a vida e as pessoas a sua volta.

Se o verdadeiro Christian ganhou popularidade justamente por expressar abertamente aquilo que pensa e expor as suas experiências intímas no seu canal virtual, dentro do filme estes elementos jamais ganham forma interessante ou de impacto. Falta uma personalidade ou um arco dramático fixo na narrativa que defina a saga do jovem e dos personagens coadjuvantes. Sem a narrativa sólida, o que se observa é uma mensagem confusa até mesmo para os fãs do youtuber.

Para uma comédia que tenta em alguns momentos ser uma reflexão dramática e séria dos problemas da juventude, não há qualquer aprofundamento emocional por parte do roteiro em justificar as ações do ídolo, incapacitando os leigos como eu, de entender o porquê da sua trajetória exercer fascínio para 7 milhões de seguidores – número registrado no seu canal – e que ajudaram a vender milhares de cópias nos três livros de autoajuda a lá Paulo Coelho que escreveu. A própria mensagem final soa inadequada ao sugerir no seu discurso, que para dar a volta por cima depois de ser desprezado, basta ter sucesso e dinheiro. Isso é contraditório com a ideia central vendida pelo filme (que você jamais deve mudar em razão dos outros) durante toda duração.

É claro que Eu Fico Loko tem seus méritos. O elenco é acima da média com destaque para Filipe Bragança que defende com muita boa vontade seu Christian Figueiredo. Há muita semelhança na composição de Filipe em relação as particularidades pessoais (o carisma) do real Figueiredo. O núcleo jovem não faz feio enquanto Alessandra Negrini como a mãe e Suely Franco como avó são ótimas escolhas dando ao filme um tom leve. Falando nesta última, o longa cresce consideravelmente quando trabalha o relacionamento do protagonista com a matriarca rendendo bons momentos de reflexão em captar a essência do jovem ao questioná-lo “quando vai deixar de sair com a avó para o cinema e sair com uma namoradinha”.

A parte de humor é simpática, retirando da comédia básica, situações nonsenses para provocar risos na platéia. Isso funciona porque em nenhum momento o filme segue o humor cômico que acredita que por ser descolado e moderno está sendo inteligente enquanto na verdade é grosseiro – algo que É a Fada abusa demais. Pelo contrário, o que vemos na tela é uma biografia que ri de si mesma.

O recurso da quebra da quarta parede para legitimar a participação do verdadeiro Christian Figueiredo em narrar os fatos é interessante e dá a narrativa um tom dinâmico, ainda que a produção utilize esta finalidade apenas quando ache conveniente, esquecendo de usá-la por completo na segunda metade.  Apesar de fluir bem narrativamente, a direção de Garotti é pouco inspirada e para falar a verdade bem irregular. Falta inovação do ponto de vista do uso da câmera, que não aproveita o experimentalismo imprevisível que as ferramentas virtuais proporcionam, deixando de lado uma comunicação melhor entre estas duas esferas.

Ainda que apresente um ato final muito mal construído principalmente pela inabilidade de Garotti de fazer a transição da biografia fictícia para os shows reais de Figueiredo (algo semelhante feito por Oliver Stone em Snowden), Eu Fico Loko, pelo menos ,ajuda diminuir a imagem preconceituosa deixada por É Fada em relação aos astros do Youtube. É uma comédia simples, de boas intenções que esforça em ser diferente e criativa, porém, esbarra na falta maturidade do seu texto em apresentar algo relevante – o resultado final mesmo simpático, é inexpressivo.