Ver uma comédia com o selo Globo Filmes entre os cartazes do cinema traz à mente velhas sensações recorrentes, e, confesso, não muito agradáveis: nomes célebres do casting da emissora; tramas de terceira ou quarta mão, que pegam premissas bem-sucedidas alhures e as embalam para o mundo classe-média, predominantemente carioca e cheio de desconfiança quanto a suburbanos e nordestinos que é a marca de obras como Até que a $orte Nos Separe ou Meu Passado Me Condena; e um humor que é geralmente ameno demais para ser engraçado.

Chocante, o novo filme da produtora, traz em variados graus todos esses emblemas; mas também é o trabalho mais simpático e bem desenvolvido da Globo Filmes em algum tempo. Aliás, chega a surpreender que a ideia pouco original do filme – colocar comediantes brasileiros célebres como uma boy band escrachada – sirva de mote não para a exploração do ridículo de se ver quarentões pançudos em collants, mas para montar um retrato razoavelmente delicado e otimista de pessoas quebradas buscando alguma redenção em suas vidas.

A banda Chocante foi um verdadeiro furação na década de 1990. Com o hit ubíquo “Choque de Amor” (a criação de Plínio Profeta, que emula à perfeição o pop brasileiro da virada dos anos 1980, é o maior achado do filme – tente tirar ela da cabeça depois da sessão), eles se tornaram o maior sucesso do Brasil em poucos e fulminantes meses. Os cinco rapazes que a formam, Téo (vivido na maturidade por Bruno Mazzeo), Tim (Lúcio Mauro Filho), Tony (Bruno Garcia), Clay (Marcus Majella, ex-Porta dos Fundos e ponta de lança do canal Multishow) e Tarcísio, amam fazer parte da roda-viva daqueles tempos: se apresentar em programas de auditório, participar da Banheira do Gugu, viajar o país sentindo a brisa fresca da beleza e do sucesso. Tão rápido quanto a Chocante desponta, porém, ela se desfaz, após um incidente mal-explicado envolvendo Téo e Tarcísio. Vinte anos depois, os ex-Chocantes se veem cara a cara, e o rumo de suas vidas é um previsível, mas não menos doloroso, anticlímax: Téo se vira filmando casamentos e batizados; Tim é um oftalmologista preso a uma monótona vida familiar no subúrbio; Tony é um taxista que tenta se lançar como Uber, além de empurrar a Chocante para todos os passageiros; e Clay é um daqueles garotos-propaganda de supermercado, que anuncia as ofertas do dia com o microfone.

O sonho de todos os ex-Chocantes é sentir só mais um gostinho da glória dos grandes dias. Para tanto, eles precisam superar os traumas do passado, além de tentar encontrar lugar em um meio que agora os vê não só como jornal de ontem, mas como uma banda cafona e trash. A solução (ou a tentativa) é se aliar a um vencedor de reality show que é um queridinho das redes sociais, Rod (Pedro Neschling).

Chocante tem a cara, as gags e a premissa de uma comédia, mas seu verdadeiro foco é o drama das aspirações perdidas dos personagens. As tentativas mais explícitas de humor, por sinal, são a parte mais banal e tediosa do filme: tirando a divertida abertura, com direito a uma voz imitando Gugu e à participação de Sônia Abrão, o filme recicla suas poucas piadas sucessivas vezes. Os ensaios de Majella para mentir para o chefe, por exemplo, funcionam na primeira vez, mas cansam rápido, e voltam em takes ainda mais demorados. A fã leal, mas tosca, vivida por Débora Lamm (parceira de Mazzeo no programa Cilada, do Multishow) é muito estridente. E Neschling só faz uma coisa no filme todo: gravar stories para o Instagram repetindo ditados típicos de ex-BBBs (“Deus no comando, vamo na fé”) – ideia boa para uma ou duas gags, mas não para várias. Pelo menos o sempre confiável Tony Ramos se deleita em sua rápida aparição como o empresário excêntrico Lessa.

Melhor é acompanhar as desventuras individuais dos Chocantes. Lúcio Mauro Filho, como o irmão ressentido de Téo, Tim, traz uma carga genuinamente trágica de frustração, com o olhar resignado diante do trabalho, da esposa (a ótima Priscila Assum), da ninharia que a sua vida se tornou. Bruno Garcia cria as melhores cenas cômicas do filme, com seu taxista ogro que mete os pés pelas mãos ao tentar migrar para o Uber. E Mazzeo, que não sai do personagem que ele construiu para si na TV e no cinema, o tipo urbano, cético, mordaz, mas de bom coração, faz um protagonista bem mais eficiente que o do desastroso Cilada.com (2011). A obra também traz um olhar compassivo sobre seus personagens, sem tentar torná-los objetos de ridículo. Mesmo sendo astros pop fabricados, que dublam suas canções, os Chocantes se levam a sério. E o filme também.

Sem ser particularmente engraçado, como comédia, ou comovente, como drama, Chocante ainda assim é razoavelmente satisfatório. Com sua produção bem-cuidada, um roteiro coerente – uma raridade na comédia nacional – e um elenco carismático, a obra de Johnny Araújo (de O Magnata) e Gustavo Bonafé é uma produção simpática, colorida e feel-good. O slogan no cartaz do cinema já dizia tudo: “você não pediu, mas eles voltaram”. Chocante não é um filme inspirado, mas diverte. E tem “Choque de Amor”, a canção mais grudenta do cinema brasileiro em 2017.