Com a proposta de retratar um triângulo amoroso no sertão brasileiro, Marília Hughes e Cláudio Marques iniciam debates acerca da homossexualidade, mazelas sociais e má administração governamental com ‘A Cidade do Futuro’. O longa acompanha a história de Milla (Milla Suzart), professora que fica grávida de Gilmar (Gilmar Araújo), também professor, o rapaz, por sua vez, vive uma relação amorosa com Igor (Igor Santos).

Estabelecida a relação do trio entre si e com a cidade, eles passam a sofrer represálias devido a escolha de assumir dois pais para a criança. Além dos conflitos envolvendo os personagens, o próprio cenário também se torna foco com o intuito de ressaltar o projeto do governo realizado para a mesma e mostrar de que forma vivem seus moradores.

A cidade de Serra do Ramalho é apresentada como o próprio título do longa: a cidade do futuro. O termo faz referência ao projeto realizado pelo governo na década de 70 que realocou os moradores da cidade em detrimento da construção de uma represa. Assim, o filme mostra de que formas estes acontecimentos anteriores continuam presentes na vida dos moradores da cidade.

O grande crédito acerca da utilização desta história e contexto é a realização de um retrato livre de generalizações. Por se tratar do sertão nordestino, muitos espectadores e produtores esperam mostrar um ambiente seco e praticamente inóspito. ‘A Cidade do Futuro’, entretanto, atenua a vivência na cidade como em qualquer outro lugar sem procurar esconder seus problemas. Principal exemplo disto é a utilização de diferentes cenários naturais, mostrando vegetação, animais e práticas de lazer, tornando mais intensa* a forma que a essência da cidade e dos personagens é retratada.

A volta da explicação acerca do que houve com o local chama atenção do espectador para aspectos decorrentes em todo filme. Em contraponto a estas imagens, a trama é levada com boas escolhas no roteiro ao mostrar de que forma a escolha de Milla, Gilmar e Igor se tornou predominante sobre eles.

Mesmo com os bons aspectos, o roteiro também dá seus tropeços ao abordar situações ou subtramas que abandona logo em seguida, se tornando pontas soltas pelo filme. Exemplo disto é a relação do trio principal com suas respectivas famílias e a relação de Milla com outra personagem em uma cena visualmente interessante que acaba sendo esquecida no restante do filme.

O visual do filme, por sua vez, é um dos aspectos mais fortes e presentes. Grande parte do sucesso da direção é a escolha de uma boa direção de fotografia, que consegue captar seus personagens e cenários de forma ousada na maior parte da narrativa e delicada, quando preciso. A diversificação nos ângulos intuem o aspecto de que sempre há algo novo para ser mostrado, da mesma forma, a repetição de situações com diferentes personagens captada no mesmo ângulo, relacionam diferentes momentos entre si, construindo uma boa linha temporal.

O êxito de sua temporalidade, entretanto, só não é mais bem aproveitado devido a montagem do filme que acaba tropeçando em alguns momentos. Para indicar uma passagem de tempo, a montagem consegue ser bem executada, porém em diversas situações, algumas cenas parecem estar sobrando, o que torna questionável a intenção do roteiro ao executar tal sequência.

A trilha sonora composta de três ou quatro sucessos nacionais é facilmente relacionável com seu público. A utilização insistente do hit ‘jeito carinhoso’, explora a canção para além de seu ritmo, colocando a intenção de um significado para o casal Gil e Igor, explorando a letra da música em diversos momentos. Juntamente com a sonoridade escolhida, o visual do filme volta a se destacar com a escolha de cores fortes e quentes, que realçam o contexto estabelecido.

Um dos principais focos do filme, a homossexualidade, não apenas é vista por uma cidade homofóbica como também uma cidade que é resultado de diversos processos sociais, mas que mesmo assim, decide excluir o trio. Sim, o todos os três se tornam o centro da exclusão, a pequena vizinhança da cidade não apenas intui preconceito contra gays como também contra Milla e sua escolha por não se distanciar dos dois e ainda, assumir Igor e Gilmar como os pais.

‘A Cidade do Futuro’ se apresenta com uma proposta atual que também aproveita acontecimentos passados. As escolhas visuais do filme são o grande ponto chave e conseguem conduzir a trama com êxito em seus 75 minutos. Os esforços técnicos dupla Marília Hughes e Cláudio Marques são facilmente notados pelo espectador ao apresentarem um delicado retrato da homossexualidade no sertão brasileiro.