O saudoso Roger Ebert tem pelo menos dois textos em seu portal sobre o clássico A Doce Vida, de Federico Fellini. No primeiro deles, produzido assim que o filme foi lançado, agora há um adendo escrito posteriormente avisando que aquela é a primeira resenha que o crítico fez, e que, embora atualmente ele considerasse o longa de Fellini como um dos maiores filmes que ele já viu, essa obviamente não foi sua primeira impressão.

Eu honestamente torço para que um dia eu também reveja A Doce Vida e efetivamente goste da obra, mas, por enquanto, embora a lista de heresias já tenha saído aqui no Cine Set, devo confessar que não tenho a menor paciência com o filme.

Mas por que estou falando sobre A Doce Vida em um texto sobre A Grande Beleza? Porque o filme de Paolo Sorrentino, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, é basicamente uma versão atualizada do clássico de Fellini, tratando da mesma temática e trazendo inclusive várias referências ao original. E, assim como A Doce Vida, o maior incômodo que me causa é o mesmo: o ritmo arrastado que se impõe a certa altura e a falta de uma “história” propriamente dita que impedem um envolvimento maior com a obra.

Apesar disso, não há como negar que há muita beleza no filme, fazendo jus ao título – e não é à toa que, logo no começo, um turista morre depois de fotografar uma vista de Roma, aparentemente intoxicado ao contemplar o lugar. Um excesso de sedução, em contraponto ao coral celestial que se dá na mesma cena. Mas o olhar que nos guia na maior parte do filme é, na verdade, o do protagonista Jep Gambardella (Toni Servillo), jornalista e playboy de meia-idade admirado por seu único livro, mesmo que tenha sido publicado há muito tempo. Depois de seu aniversário de 65 anos, Jep reflete sobre o rumo que tomou na vida, sempre mergulhada em festas, boates, luxos e privilégios, pessoas vazias, bizarrices e muita beleza. Afinal, como ele mesmo define, ainda jovem Jep tomou para si uma meta: não apenas ser mundano, mas se tornar o “rei dos mundanos”.

Mais que uma história bem delineada, portanto, o filme prefere explorar uma temática, e faz isso através de uma estrutura episódica que lembra o clássico de Fellini, ao qual não faltam referências: um passeio por um palácio, a menção a um monstro marinho, a fonte, as festas, entre outros. Nesse sentido, é curioso notar que, embora cinquenta anos separem as duas obras, a crítica social de Sorrentino se mostra tão atual quanto a de Fellini: os personagens de A Grande Beleza são tão confusos, decadentes e às vezes tão vazios quanto aqueles vistos meio século atrás.

O diretor e co-roteirista também põe em xeque, nisso tudo, o conceito da própria arte. Diálogos bem construídos e algumas cenas pontuam bem essa ideia, como a hilária artista “conceitual” que, no momento de uma entrevista, não tem nada a dizer além de reafirmar que seu trabalho é provocativo e movido por “vibrações”; a garotinha que, com raiva, joga tintas ao acaso numa tela em branco e assim produz uma obra de arte aos olhos dos outros; e personagens que se orgulham de uma suposta intelectualidade que, para eles, é sinônimo de superioridade, como aquela que gosta de declarar em alto e bom som que só ouve jazz etíope.

Jep nos guia por esse percurso, e embora o próprio seja parte desse mundo, ele se torna encantador aos nossos olhos graças ao carisma do ator Toni Servillo, que faz dele um personagem simpático e divertido, mas com boas doses de sarcasmo e cinismo. A isso se soma a câmera com movimentos cuidadosamente planejados que revelam uma Roma suntuosa, com todas as cores e texturas que fazem da cidade um espetáculo visual, além da trilha sonora que frequentemente contrapõe o sacro ao profano através de músicas instrumentais e eruditas acompanhadas de corais. A caminhada através do universo de Jep se torna maçante, porém, quando o diretor insiste em não terminar o filme: assim, vários finais passeiam pela tela, e vão perdendo força à medida que Sorrentino estende indefinidamente seu olhar sobre a cidade e seus contrastes, reafirmando sempre a mesma ideia.

Mesmo assim, como a citação no começo do longa faz questão de apontar, trata-se, no fim das contas, de uma viagem – e, nas mãos de Sorrentino, é uma viagem longa e penosa, mas bela e com bons momentos. Pena que, ironicamente, o próprio Jep, sempre observando o declínio moral ao seu redor, não repare mais na beleza que está presente desde os grandes monumentos da cidade até num simples pôr-do-sol.

 Crítica: A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino