A J.K. Rowling merece uma estátua. Acho mesmo isso.

Sei que é fácil torcer o nariz pra essa opinião, pois grandes nomes da literatura nunca foram reconhecidos em vida, ou nunca receberam uma estátua. Mas acredito que o mérito de Rowling equivale aos dos gênios da literatura.

Quantas pessoas tiveram o seu interesse pela literatura incentivado, e muito, pela série Harry Potter? Se dos 400, 500 milhões de leitores da série, 5% permaneceram com o hábito da leitura, como podemos calcular esse benefício? E como se pode tirar o mérito da autora?

Isso possui um valor inestimável! E no caso de Rowling, sempre me chateio quando se entra no mérito da qualidade dos livros. Não sei se se trata de memória afetiva, mas considero os livros da autora britânica, literatura de boa qualidade.

Enfim, falei todas essas coisas, pois se isso se aplica a livros populares de qualidade, de uma maneira ou outra, também vale para Dans Browns e Stephenies Meyers, pois a quantidade de livros vendidos por eles também possui o mesmo papel de iniciação literária.

Ou seja, embora doa o coração dizer isso, Stephenie Meyer possui um papel importante na arte, mesmo que ele seja o de fazer com que, a partir do seu trabalho, as pessoas se interessem por conteúdo de melhor qualidade.

Mas é preciso olhar as coisas como elas são. O trabalho de Meyer é de qualidade semiamadora, sendo simpático. Caminha por uma pieguice pré-adolescente manipuladora e moralista, tendo um claro subtexto de engana-trouxa, visto que todos os elementos da sua trama são obviamente milimetricamente planejados pra vender milhões de cópias.

E é necessário falar tudo isso, pois em A Hospedeira, fica claro que o maior problema do longa certamente está no roteiro, que é realmente muito ruim.

Em um mundo invadido por alienígenas do bem, Melanie (Saoirse Ronan) é uma das poucas humanas que conseguiram sobreviver à invasão dos extraterrestres, vivendo uma vida feliz com o seu irmão mais novo, Jamie (Chandler Canterbury), e com o seu namorado, Jared (Max Irons). Porém, certo dia ela é descoberta, e tem o seu corpo invadido por uma alienígena. Só que Melanie consegue reagir a invasão, e vai buscar uma forma de voltar para a sua família.

Meyer também é roteirista do longa, e fica evidente que ela se mostra apegada ao seu próprio texto, visto que muitas falas parece que foram jogadas integralmente na tela da mesma forma como estavam no livro, sem nenhum tipo de adaptação pra deixar as coisas com o mínimo de sentido, como vemos em todas as falas de Melanie quando ela está presa no seu próprio corpo pela alienígena.

A narração em voiceover acrescida de um didático eco, somada com falas completamente mal pensadas e muitas vezes desnecessárias, trazem um tom ridículo ao filme. A voz da mente agrega uma obviedade absurda a trama, como quando alguém está perseguindo Melanie e ela diz, CORRE, ou quando ela mostra-se insistentemente presente, causando um stress enorme, enchendo o saco da plateia, dando uma vontade enorme de mandar ela se calar.

Claro que os diálogos são a pior coisa do trabalho, elemento que escancara a total falta de capacidade da “autora”, mas as situações em si, a trama criada, são também completamente desinteressantes. O filme tenta ser uma espécie de romance, misturado com ficção-científica e ação, mas não consegue sequer chegar na metade do caminho em nenhuma das vertentes. Nunca fica claro o motivo que faz com que os humanos temam os alienígenas, visto que eles são bonzinhos e amigáveis, ao mesmo tempo que não dá pra entender completamente qual é a desses extraterrestres; não dá pra entender porque que Melanie (a não-original) não diz logo pra todos que a verdadeira está dentro da sua mente. É tudo envolto em um véu de mistério que tem a intenção de mostrar algum tipo de sofisticação, ou que há uma trama intrincada e bem desenvolvida por trás de tudo, quando na verdade, temos uma história bastante simplista, e que engana a si própria quando se leva a sério.

E se o quadrado amoroso proposto por Meyer mostra-se como a sacada mais interessante do roteiro, ele acaba se perdendo pelo seu moralismo patético, e por não ter a mínima vontade de inserir uma trama mais desafiadora para o espectador. E isso acontece pelo fato desse quadrado ser apenas uma variação do insosso triângulo amoroso entre Bella, Edward e Jacob, da saga Crepúsculo. Aqui, Meyer investe num caminho já conhecido, e desenvolve a sua história com a mesma capacidade que fez nos seus filmes anteriores, e entendam isso como quiserem. Sem contar que cria situações absurdas, como quando Melanie beija Jared e Ian na sequência, em um momento digno de gargalhadas no pior sentido possível.

Mas por incrível que pareça, mesmo com um roteiro fraquíssimo, e com uma direção omissa (inexistente), que se limita a fazer o que está no roteiro, o filme possui boas interpretações. De longe, o melhor trabalho de todo o filme é do experiente William Hurt, que apresenta uma economia maravilhosa de se ver em um mar de falas tão devastadoramente ruins e mal planejadas. O seu trabalho representa um grande alívio pra plateia, e é o único que consegue convencer com o seu papel, sem que sintamos vergonha alheia por ele em nenhum momento.

E confesso que me senti decepcionado quando vi que Saoirse Ronan era a protagonista deste filme, pois considero-a um talento enorme. Quem viu Desejo e Reparação (2007) sabe do que eu estou falando. E embora ela possua uma interpretação correta, e com um belo momento no monólogo no final do filme, ela é completamente sabotada pelo roteiro. De que vale uma boa interpretação se tudo o que é dito é constrangedoramente ruim? Uma pena.

Apesar de tudo isso, com certeza A Hospedeira vai ser um grande sucesso de público, visto que quem está por trás da produção sabe as fórmulas necessárias para fisgar novamente o coração das adolescentes, que se veem na tela e sonham que assim como a moça sem muitos atributos no filme consegue ficar com o bonitão no final, é possível que isso aconteça na vida real.

Enfim, pode até ser que tais coisas aconteçam na vida dessas pessoas, mas isso não muda o fato de que este filme é cinema de qualidade bastante duvidosa.

NOTA: 3,5