Em certo momento, assistindo essa versão de “Miami Vice”, me vi fascinado pelo autocontrole da dupla de protagonistas. Sonny Crocket (Colin Farrell) e Rick Tubbs (Jamie Foxx) sabem que qualquer vacilo pode ser fatal na profissão que exercem: policiais infiltrados no submundo de Miami resolver grandes casos, relacionados desde o tráfico de drogas e armas até pirataria de softwares, com competência e objetividade.

Esqueça a Miami ensolarada dos turistas. Aqui, o diretor Michael Mann – também responsável pela obra-prima Fogo contra fogo – subverte todo o estereótipo que conhecemos da cidade, deixando-a sombria, perigosa e cheia de bandidos impiedosos.

No início, encontramos os protagonistas prestes a encerrar uma investigação quando são surpreendidos pela notícia de que uma fonte próxima fora descoberta. Obrigados a verificar a situação, acabam se envolvendo em uma novo caso e se colocando, indiretamente, na rota de um importante narcotraficante.

Fuga dos clichês

É interessante notar que o roteiro, escrito pelo próprio diretor, não se prende a fórmulas ou trama definida, o que deixa tudo imprevisível e cada vez mais perigoso. A construção de “Miami Vice” muda de foco à medida que Crocket e Tubbs vão mais a fundo no trabalho. Não temos uma dupla se conhecendo: ambos já são experientes, calejados, acostumados a trabalhar disfarçados. Os protagonistas são apresentados ao público em pequenos gestos, e não perdem tempo com discussões e brigas entre si, clichê de filmes do gênero.

O autocontrole emocional e confiança da dupla faz com que pareçam ainda mais elegantes e competentes. Além, claro, dos ternos sob medida e carros de luxo, como na série original, mas longe da paródia ou fan service: Michael Mann levou o trabalho muito a sério neste aspecto. Talvez o único fan service fique no mullet de Farrell.

Os vilões falam pouco. Porém, pelo olhar e atitudes, são absolutamente ameaçadores, apesar de episódicos. Luis Tosar (Jesus) e John Ortiz (Jose Yero) fazem um trabalho eficiente. O primeiro, com os seus olhares intimidadores e analíticos e, o outro, com sua desconfiança e comportamento possessivo. Além deles, temos Gong Li, intérprete de Isabella, a intermediária do traficante Jesus: uma executiva com instinto de sobrevivência singular e que está longe de ser apenas um interesse romântico para Crockett.

Grande filme injustiçado

Em aspectos técnicos, Miami Vice mostra uma evolução e maturidade em sua fotografia, que ficou a cargo de Dion Beebe. O efeito granulado deixa o filme com aparência mais realista e, no momento da ação, o impacto dos tiros e explosões de violência deixam tudo mais tenso e grave, parecendo que estamos acompanhando uma operação policial real.

A trilha sonora sóbria de John Murphy colabora para exibir o risco do trabalho policial e, principalmente, da polícia infiltrada. Para falar das cenas de ação, Michael Mann não decepciona, apesar do filme trabalhar mais na questão de disfarce e espionagem. Quando a violência estoura em Miami Vice, ela é brutal, com direito a corpos despedaçados por projéteis.

O filme, infelizmente, não ter correspondido às expectativas do estúdio: tiroteio real no set, a reabilitação de Colin Farrell, orçamento estourado e atraso na produção foram apenas alguns dos problemas. A recepção morna da crítica e do público foram a pá de cal na tentativa de se criar uma franquia policial.

Uma pena, já que Miami Vice é um filme policial adulto como poucos. Denso, realista, sombrio e sem clichês. Um filme que merece ser redescoberto e que, com certeza, merece mais carinho por parte dos fãs do gênero.

‘Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal’ (2008): alvo injusto das fanbases

A espera havia durado 19 anos. Desde “Indiana Jones e a Última Cruzada”, muito havia mudado. O mundo havia conhecido a era da informação. Fãs ávidos agora tinham a possibilidade de escrutinar cada detalhe da produção com fotos do set, relatos postados na web e até...

‘O Último Boy Scout’ e o enlouquecedor cinema de ação dos anos 90

Recentemente assisti “Ambulância” do “famigerado” Michael Bay, seu mais novo petardo na cadeira de diretor.  Senti uma vibe responsável em resgatar o espírito dos filmes B de ação à moda antiga dos anos 1990. Época caracterizada por um cinema repleto de ação...

“Batman vs Superman”, um filme à frente de seu tempo

“Batman vs Superman” estreou em março de 2016, seis anos atrás. Para se ter uma ideia do quão longínquo estamos daquela época, o filme de Snyder estreava antes mesmo do governo Trump ter iniciado nos Estados Unidos. Uma coincidência, se levarmos em conta os picos de...

7 Razões de ‘A Voz Suprema do Blues’ ser um filmaço

Caros leitores venho por este advogar em favor do filme “A Voz Suprema do Blues” de George C. Wolfe, baseado na obra do mestre August Wilson. O filme deixa um gosto amargo para quem assiste, mas percebo que para muitos ele envelheceu mal e ainda na época de seu...

‘Crepúsculo’, um bom e simbólico filme de sua época

Eu não vou dizer que “Crepúsculo” é um filme injustiçado ou não tão ruim quanto falam. Muito menos que seja tecnicamente bem resolvido ou que seja um bom guilty pleasure (até porque eu não gosto de usar essa expressão, embora entenda quem prefira). Eu direi que...

‘Femme Fatale’, o injustiçado grande filme de Brian de Palma

AVISO: Este texto contém GRANDES SPOILERS do filme "Femme Fatale". Recomenda-se ler apenas após ver o filme. -- Muita gente não curte Femme Fatale (2002), de Brian De Palma, por causa do plot twist perto do fim. Era tudo um sonho. Bem... Se você é um desses, caro...

‘Quem Matou Rosemary?’: A geração slasher dos anos 80 na sua pérola mais violenta

Se o gênero de horror já é esnobado na sua essência pela crítica e pelas premiações especializadas, o que falar do seu subgênero mais bastardo e maldito da sétima arte, o slasher? Surgido na década de 70 – precisamente no ano de 74 que imprimiu uma safra sufocante de...

‘Hulk’, de Ang Lee: Pequena Joia Subestimada da Marvel

Como apontei no podcast sobre ‘Opiniões Impopulares do Cinema’, do Cine Set, posso ter exagerado em declarar a adaptação do Hulk de 2003 como uma pequena obra-prima – não me culpo por ser passional ao defender as coisas que gosto. Porém, não abro mão de declará-lo uma...

As Polêmicas Vitórias no Oscar de Melhor Maquiagem

Acredito que poucas categorias do Oscar apresentaram tantas controvérsias e polêmicas como Melhor Maquiagem e Penteado. Sua criação tardia (54 anos após a primeira cerimônia) e a falta de definição na quantidade de indicados também contribuiu para seu turbulento...

Grandes e Injustiçados Vencedores do Oscar

Quando analisamos o histórico do Oscar, uma coisa fica logo clara: é muito difícil defender a maioria das escolhas da Academia. Sempre digo a alunos, leitores e interessados, e não custa repetir: Oscar não significa qualidade. Vejam a festa, se divirtam e torçam, mas...