Roman Polanski fez três filmes de terror/suspense que abordam temas de paranoia e medo e que são ambientados, principalmente, em locais confinados: Repulsa ao Sexo (1964), O Bebê de Rosemary (1968) e O Inquilino (1976), que hoje constituem a chamada “trilogia dos apartamentos” do cineasta. Desses três longas, O Inquilino é o menos conhecido. O que é uma pena, pois talvez seja o melhor deles.

É difícil não relacionar esses três filmes à história de vida do cineasta. Afinal, para quem não sabe, Polanski teve uma infância trágica. Nasceu em 1933 em Paris, e seus pais, judeus, retornaram para a Polônia, a terra-natal deles, em 1936. O diretor era apenas uma criança quando vieram os horrores da Segunda Guerra Mundial: sua família viveu no gueto de Cracóvia e seus pais foram mandados para diferentes campos de concentração, com a mãe de Polanski encontrando a morte em Auschwitz. Aos sete anos, ele escapou do gueto e se viu sozinho na Polônia ocupada, sobrevivendo como podia. Passou fome e chegou até a ser torturado nas mãos de soldados nazistas. Mais tarde essas experiências o ajudariam a fazer um dos melhores filmes de sua carreira, o drama O Pianista (2002), pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor.

Esses acontecimentos, com certeza, moldam a visão de mundo de alguém. E depois houve mais tragédia e escândalo: O assassinato da sua esposa, a atriz Sharon Tate, em 1969; e a sua fuga dos Estados Unidos em 1977, um ano depois de O Inquilino, quando Polanski drogou e estuprou uma menor durante uma sessão de fotos. Em consequência disso, ocorreu todo um imbróglio jurídico que ainda hoje não foi resolvido. Tudo isso, no mínimo, ajuda a entender a mente de um artista que conhece a fundo os sentimentos de paranoia e de alienação. Por toda a vida, praticamente, Polanski soube o que é ser um “outsider”, conheceu a sensação de ter “o mundo contra si próprio”, e este é um dos temas mais presentes em sua filmografia, especialmente na trilogia dos apartamentos.

Baseado no livro de Roland Topor, O Inquilino é centrado em Trelkovski (interpretado pelo próprio Polanski), um homem tímido e inócuo. De fato, ele é tão inócuo que parece não ter uma personalidade definida. Ele se muda para um apartamento em Paris, cuja inquilina anterior tentou se matar, atirando-se pela janela. O casal de senhorios (vividos por Shelley Winters e Melvyn Douglas) é severo ao extremo. Já Stella (Isabelle Adjani), amiga da suicida, inicia um caso amoroso com Trelkovski. Quando a inquilina finalmente morre em decorrência dos seus ferimentos, o protagonista desenvolve uma obsessão com ela, a ponto de acreditar que seus vizinhos no prédio estão envolvidos numa trama também destinada a levá-lo ao suicídio.

O temor em O Inquilino é, surpreendentemente, o de perder a si mesmo por causa das pressões do grupo social. Trelkovski logo começa a fumar a mesma marca de cigarros da antiga inquilina, apenas porque o vendedor a oferece e ele não é forte o bastante para recusar. O pobre protagonista é acusado de fazer arruaça no apartamento – nada muito grave na realidade – mas a bronca desmedida do senhorio o faz sentir-se culpado, e assim por diante. O medo em O Inquilino surge ao presenciarmos, de forma estranha e sombria, a que extremos o ser humano pode ir para se enquadrar nas pressões sociais, às vezes até em detrimento de si mesmo. O tema da paranoia, muito forte em Repulsa ao Sexo e O Bebê de Rosemary, ressurge aqui, mas desta vez Polanski preserva a ambiguidade até o final. Nos desfechos de Repulsa e O Bebê, descobrimos se as ideias paranoicas das suas heroínas possuem fundamento, já em O Inquilino nunca sabemos se os vizinhos de Trelkovski são mesmo loucos ou se tudo não passa de invenção da sua cabeça.

Na verdade, o personagem é tão pequeno frente a seu mundo perturbado que a transferência de personalidade se torna completa, e em determinado momento o vemos vestido com as roupas da antiga dona do apartamento. A ironia de Polanski se mantém – não deixa de ser engraçado, de uma forma bizarra, ver o cineasta vestido de mulher…

Há outras grandes imagens também: a visão de alguém solitário no banheiro do prédio, visto pela janela, é daquelas imagens sinistras que ficam na memória; assim como a cena do dente, os minutos finais e o grito que encerra a história. E Polanski reúne um elenco notável para povoar o prédio: além de Douglas e Winters, ainda estão no filme as atrizes Lila Kedrova e Jo Van Fleet – todos vencedores do Oscar. Adjani cria uma personagem avoada e ambígua e, junto com Polanski, ambos criam uma cena de pegação dentro do cinema que de certa forma resume o filme. Visualmente falando, O Inquilino permanece claustrofóbico até mesmo nas cenas em que Trelkovski sai do prédio, e quando ele está lá a cor cinza-escura do lugar e a decoração sem vida do apartamento são suficientes para nos deixar nervosos.

Mas esse nervosismo, assim como em Bebê de Rosemary, é gradual. A princípio O Inquilino parece uma comédia meio estranha, e só gradualmente os elementos mais sinistros aparecem na narrativa. Não há violência e sanguinolência, apenas terror psicológico. E ao final, o espectador pode até compartilhar do sentimento do protagonista, algo aparentemente muito pessoal que Polanski consegue evocar com seu filme. O Inquilino parece mais pessoal para o diretor do que Repulsa ao Sexo e O Bebê de Rosemary, afinal ele escalou a si mesmo para fazer o protagonista. Por isso mesmo, ele serve como uma janela para dentro dos temores mais íntimos do cineasta: Polanski realmente sabe do que está falando em O Inquilino, e é daí que o filme extrai o seu suspense. O filósofo francês Jean-Paul Sartre cunhou a famosa frase: “O inferno são as outras pessoas”; O Inquilino de Polanski parece ser a expressão cinematográfica deste pensamento.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.