“Anna Karenina”, de Leon Tolstói, é um dos livros mais marcantes da literatura russa. A adaptação dessa obra para o cinema sempre foi um desafio, pois além de ser um livro enorme, há uma série de núcleos de personagens lidando com dilemas complexos em suas vidas. Estes demandam muita criatividade para serem reproduzidos para o campo do audiovisual, dada a sutileza das questões abordadas, e o desafio é claro nessa mais nova adaptação do livro, dirigida por Joe Wright.

Em “Anna Karenina”, acompanhamos o dilema da personagem-título, interpretada por Keira Knightley. Na Rússia do século XIX, ela vive um casamento estável, mas sem paixão, com Alexei Karenin (Jude Law). Em uma viagem para encontrar o irmão e sua família em Moscou, ela conhece o conde Vronsky (Aaron Johnson) e uma paixão avassaladora nasce entre eles. A partir do momento em que decidem assumir a relação, Anna vive uma série de dilemas, pois divorciar-se de Karenin significaria ser uma mulher desprezada pela sociedade da época, além de perder o acesso a seu filho.

Wright é o diretor de outros dramas de época com pinceladas épicas. Em “Desejo e Reparação” (2007), e “Orgulho e Preconceito” (2005), ele equilibrou com sucesso a introspecção dos personagens com os acontecimentos ao seu redor, destacando em especial o dilema de seguir o coração ou obedecer às normas impostas pela sociedade e por si próprio. Esse dilema é o ponto de partida de “Anna Karenina” também; o problema é a maneira como Wright o desenvolve, sem saber dividir o espaço entre a paixão de Anna pelo conde Vronsky e os vários outros elementos da história original.

O problema dessa adaptação de “Anna Karenina” é que todos os conflitos são retratados de maneira rasa. A paixão de Anna e Vronsky parece um jogo vulgar de sedução, e não o despertar de uma mulher perante a possibilidade de uma felicidade palpável. O pesar de Anna ao não poder ter o filho consigo, ponto marcante no livro, é reduzido de maneira grosseira, assim como a culpa que ela sente por ter abandonado um marido que lhe foi sempre cortês, apesar de frio.

Se o fio condutor da trama foi tratado de maneira tão superficial, o mesmo se espera dos personagens secundários, porém essenciais à história de “Anna Karenina”. As conversas entre o irmão de Anna, Stiva (Mathey Mcfadyen) e Kostya (Domhall Gleeson) sobre o contexto social e político da Rússia da época é reduzido a quase nada no filme, o que empobrece a adaptação.

A decisão de utilizar Kostya como um personagem tão secundário, que aparece apenas para esperar o seu amor por Kitty (Alicia Vikander) ser correspondido, causa ainda mais estranheza para quem já leu o livro. Suas percepções sobre a superficialidade da vida dos nobres em contraste à sua vida no campo são um ponto essencial da trama original e desaparece no filme. A história de “Anna Karenina” se reduz apenas a uma história de amor, o que por si só renderia um ótimo filme, se Wright tivesse se empenhado o suficiente para isso.

No lugar do tal empenho, o que vemos é uma tentativa malsucedida de “inovar” com os cenários e traçar, através deles, um paralelo com a vida de aparências dos nobres. Além de não adicionar nada e ajudar a tornar a edição mais confusa do que já é, esse recurso dá a impressão de que o filme não tinha verba o suficiente para retratar a suntuosidade da Rússia do século XIX. Outro ponto negativo é a atuação de Keira Knightley, que claramente não soube dar a complexidade que a personagem exigia e oferece mais uma de suas interpretações afetadas. Jude Law é um dos poucos que consegue expressar o arco de seu personagem, e mesmo careca e sisudo, parece um homem mais interessante que Aaron Johnson como Vronsky, reduzido a um belo espécime masculino que faz as vontades de Anna.

De maneira geral, “Anna Karenina” não chega a ser um total desastre, principalmente para os que não leram o livro original. Ainda assim, o resultado é irregular e passa bem longe de ser um filme que ficará nas lembranças de seus espectadores. Se for esse o seu objetivo, e se tiver paciência para ver um filme romântico em que o casal principal passa mais tempo em conflito que “se amando”, é uma dica válida para a próxima sessão.

Nota: 5,5