Ela pertence ao seleto hall de diretores do cinema brasileiro cujos filmes geram burburinho e são reconhecidos em premiações no país e no exterior. Mais que isso, Anna Muylaert é responsável por uma filmografia na qual trabalha componentes ideológicos de maneira leve, através de dramas pessoais com os quais o público pode se identificar com facilidade. Foi assim, por exemplo, com o premiado “Que Horas Ela Volta?”, nosso último candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e o maior sucesso da carreira da diretora.

Dando continuidade ao bom momento da carreira, Muylaert lança em breve “Mãe Só Há Uma”, com previsão de estreia nacional em 21 de julho. Em entrevista exclusiva para o Cine Set, a diretora fala sobre o novo longa, temas presentes em seu cinema, como política e sexualidade, e muito mais.

Confira:

Cine Set – “Mãe Só Há Uma” é livremente inspirado no caso do menino Pedrinho. Como surgiu a ideia de unir esse fio condutor às questões de sexualidade trazidas no filme?

Anna Muylaert – Eu sempre fui fascinada com a história do menino que, na adolescência, se vê forçado a trocar de família e de identidade. Próximo das filmagens, conheci na noite de São Paulo essa nova geração que está tentando viver para além dessa visão binária de gênero e resolvi  incorporar esse aspecto a esta história que já fala sobre afirmação de identidade.

Cine Set – Tanto em “Mãe Só Há Uma” quanto em “Que Horas Ela Volta?”, tem-se a maternidade como pontapé, mas ela é base para tratar de outras questões. Por que a escolha justo por esse ponto de partida?

Anna Muylaert – Sinceramente, eu trabalhei nestas duas histórias paralelamente, sem perceber que ambas partiam desse personagem mãe. Mas quando me dei conta, e ainda tem o “Durval Discos” – senti que esse personagem da mãe me interessa muito pelo seu aspecto educador. A mãe está na base de qualquer processo de formação de personalidade. No caso do “Que horas?”, a mãe representa não apenas a mãe, mas também a Val é um símbolo social de um Brasil que está acabando. Já no filme novo, as mães representam uma o amor oceânico, e ao mesmo tempo, perverso – e a outra representa um amor que, apesar de bem intencionado, é ao mesmo tempo castrador.

Mãe Só Há Uma, de Anna Muylaert

Cine Set – Por que escolheu Dani Nefussi para interpretar ambas as mães de Pierre/Felipe? Além da aparência, o que as duas personagens trazem em comum como indivíduos?

Anna Muylaert – Eu queria responder a nível simbólico a provocação do título. Porque só há uma, se o filme é justamente a história de um menino que tem duas mães? Justamente pelo aspecto formador da mãe: a educação no período da infância, tanto as práticas de amor quanto os traumas são vivências que marcam o indivíduo de forma importante. E mais tarde, mesmo num evento extremo em que ele troque de mãe, ele não tem como deixar de ser tudo aquilo que a primeira mãe deixou marcado nele. É um título freudiano, que diz mais respeito ao protagonista do que as próprias mães.

Cine Set – Como você acha que será a recepção do grande público a “Mãe Só Há Uma” após o sucesso popular de “Que Horas Ela Volta?”? Acredita em rejeição por conta do tema e formato mais experimental?

Anna Muylaert – Acredito que sim, pode haver rejeição daqueles que forem ver o filme esperando uma continuação ou uma repetição do “Que Horas?”, que eu considero um filme clássico e, como você disse, vai encontrar um filme mais provocativo.

Cine Set – Pierre e Jéssica (de “Que Horas Ela Volta?”) representam rupturas nas expectativas dos pais. São características que você pensou de forma proposital, para além da narrativa de cada filme?

Anna Muylaert – Acho que isso é uma característica que marca esses dois filmes, mas com as quais já trabalhei também antes na TV. “O Mundo da Lua” e o “Disney Cruj”, por exemplo, já eram programas que incentivavam os jovens a criarem suas próprias narrativas a despeito da vontade dos pais. Eu acho isso uma marca importante da minha ideologia e, consequentemente, do meu trabalho.

Cine Set – Recentemente, Kleber Mendonça Filho sofreu ameaças de boicote a “Aquarius” pelo posicionamento pró-governo Dilma, algo que ele já tornou público anteriormente em redes sociais. Você também costuma expor, direta ou indiretamente, seu posicionamento sobre temas como feminismo e política. Acha que isso afeta de fato a receptividade do público para com os filmes hoje em dia?

Anna Muylaert – Acho que pelo contrário. As pessoas estão sedentas por filmes que tenham discurso, que de alguma forma possam contribuir com discussões no seio da sociedade.

Sérgio Andrade, diretor de A Floresta de Jonathas

Cine Set – Você conhece algo do cinema amazonense? Tem interesse na ambientação ou temáticas que circundam a região?

Anna Muylaert – Conheço os filmes do Sérgio Andrade e gosto muito do jeito que ele filma a floresta. Tenho sim interesse por questões ambientais, em especial ligadas a Amazônia, que é o lugar na terra que mais amo. Sou apaixonada por essa região.

Cine Set – Em Manaus, há espaços reduzidíssimos para a exibição de filmes fora do quadro de blockbusters e comédias populares. Não podemos, por exemplo, tomar como certo que “Mãe Só Há Uma” chegue a ser exibido na cidade. Como você encara esse gargalo de distribuição fora do eixo Sul-Sudeste e que “dica” dá às pessoas que querem seu filme em Manaus?

Anna Muylaert – Olha, isso é um problema grave – mas a pirataria está aí pra ajudar.  Quem puder ir aí no cinema, ótimo, claro, mas quem não puder, eu não me oponho à ideia da pirataria – pelo contrário.