Caro leitor, faça um exercício mental comigo. Pense na banda de rock da qual você mais gostava na sua juventude. É provável que ela não esteja mais em atividade, certo? Vamos supor que não esteja. Agora, imagine como você se sentiria se, depois de anos, os integrantes dela voltassem a se reunir e anunciassem uma nova turnê. Você se sentiria feliz e entusiasmado, não é? Afinal, existem muitas bandas de roqueiros veteranos por aí, se dando bem e ainda fazendo boa música. E aqueles caras eram muito bons… O que pode dar errado?

É com essa visão, a de uma banda que volta a tocar após anos de inatividade, que abordo este retorno da série Arquivo X às telas de TV – afinal, esta foi uma das minhas paixões da juventude que sobreviveu à idade adulta. Mas, arriscando ser um pouco de estraga-prazeres, vamos relembrar como a banda se despediu: Arquivo X não teve o que se pode chamar de um bom encerramento.

Em 2002, quando a série acabou depois de nove temporadas, o auge já tinha passado há muito tempo. O programa, que nos anos 1990 havia sido um grande sucesso e uma inovação no panorama da TV, misturando gêneros (terror, ficção, drama, comédia) e episódios isolados com uma “mitologia” mais ampla e com continuidade, já se encontrava visivelmente desgastado. Seus dois atores principais, David Duchovny e Gillian Anderson, estavam cansados e os novos personagens não emplacaram junto à audiência. Ainda havia algum bom episódio aqui e ali, mas de modo geral as últimas temporadas foram fracas. E assim, Arquivo X acabou com um final que se pretendia explosivo – até tinha uma grande explosão no desfecho – mas o ruído ouvido em volume mais alto depois de nove anos foi um suspiro de alivio.

Mas o criador do seriado, Chris Carter, e o estúdio que o produziu, a 20th Century Fox, mantiveram contato ao longo dos anos. Por isso, e por vivermos na era da nostalgia, a Fox e Carter trouxeram Arquivo X de volta com uma mini-temporada de seis episódios. Mesmo após o fraco segundo filme de cinema – Arquivo X: Eu Quero Acreditar (2008), dirigido por Carter – ele se manteve como o grande nome por trás da franquia que, vale lembrar, revelou outros grandes roteiristas e produtores como Howard Gordon de 24 Horas e Vince Gilligan de Breaking Bad. Esperto como sempre, Carter chamou de volta nomes que trabalharam com ele lá no começo do seriado, em 1993: os roteiristas Glen e Darin Morgan e James Wong. E trouxe de volta Duchovny e Anderson. Afinal, sem eles, não haveria razão para voltar.

Sua ideia era a de atualizar a série, refletindo as mudanças tecnológicas e sociais dos Estados Unidos de hoje. Tudo parecia bem, parecia um bom alento para a franquia depois dos últimos anos e do último filme. Mas, ao se assistir aos seis episódios, nota-se que Arquivo X se mantém emperrado por culpa do seu próprio criador, o mais novo portador da “síndrome de George Lucas”, ou seja, uma completa incapacidade de compreender porque sua criação foi tão influente e especial, anos atrás.

Carter escreve e dirige o primeiro e o último episódios mitológicos da temporada, ambos intitulados “Minha Luta”. O primeiro tem como objetivo trazer os ex-agentes Mulder (David Duchovny) e Scully (Anderson) de volta ao FBI e introduzir uma nova ameaça. O casal se separou, mas ele continua maluco, acreditando em tudo, e ela continua séria e científica, porém com a mente mais aberta. E basta uma ligação do velho diretor do FBI Skinner (Mitch Pilleggi) e a convocação do comentarista paranoico da internet Ted O’Malley (Joel McHale) para que ambos voltem a investigar os casos bizarros do Arquivo X. E o “Minha Luta 2” retoma os eventos do primeiro, mostrando a ameaça global que ataca a humanidade e para a qual apenas Scully pode ter as respostas.

Era esperado, depois de todas as confusões do fim da série, um reboot suave para trazer Mulder e Scully de volta ao FBI. O problema de ambos os episódios é que eles não têm tensão (o segundo é um pouco mais agitado, nem por isso menos confuso), nem nada faz sentido. Cenas desconexas, excesso de diálogos pomposos e/ou pseudocientíficos – há muito papo sobre DNA, especialmente o alienígena, a muleta das tramas – e uma total falta de habilidade na construção das histórias fazem pensar que Carter não sabe mais escrever roteiros. Ah, e o grande vilão da série, o Canceroso (William B. Davis), retorna por algum motivo, mesmo após sua espetacular morte no final da série em 2002.

Carter ainda escreve e dirige mais um dos seis, uma tentativa de comédia que até funciona um pouco, com dois agentes mais jovens emparelhados com Mulder e Scully: o inexpressivo Miller (Robbie Amell) e a sarcástica Einstein – sem brincadeira, é o nome dela mesmo, mas a sempre ótima Lauren Ambrose faz a coisa funcionar. Mesmo assim, é um episódio no qual Carter pontifica suas ideias sobre os males modernos – o terrorismo, a xenofobia e a loucura da vida – sem nunca sair do óbvio e arrastando seu amigo Duchovny para um momento “vergonha alheia”, a sua dancinha. Caso a série continue – e o sucesso de audiência praticamente garante que veremos novos episódios no futuro – eu gostaria de ver novos compositores (roteiristas) trabalhando com esta banda. Carter pode continuar como produtor (talvez), mas eu não gostaria de vê-lo escrevendo e dirigindo Arquivo X nunca mais.

O que sobra depois do trabalho do chefe? Os episódios escritos e dirigidos por Glen Morgan e James Wong até não fazem feio, mas mesmo assim relembram os momentos pouco inspirados das últimas temporadas. O de Wong, o segundo, possui uma trama no estilo antigo de Arquivo X com uma investigação sobre pessoas mutantes, mas é desconjuntado e com um mistério desinteressante. Morgan tenta algo mais ambicioso com o seu, o quarto, trazendo de volta a mãe da agente Scully, vivida por Sheila Larken, e fazendo um paralelo entre o “monstro da semana” e o drama pessoal de uma mãe que se viu forçada a abandonar seu filho – a sombra de William, filho do casal, um dos desenvolvimentos menos interessantes do seriado nos seus últimos anos, paira sobre estes novos episódios. Anderson, como a grande atriz que é, até faz funcionar, mas é difícil para os espectadores se importarem com William tanto quanto Mulder e Scully se importam.

E então Darin Morgan, autor do melhor episódio da série – “Do Espaço Sideral” da terceira temporada – e de outros clássicos, nos relembra porque Arquivo X era tão bom e especial com seu episódio, o terceiro da temporada. O impagável ator convidado Rhys Darby contracena com Duchovny e faz um monstro que recebe a maldição de se tornar humano, num episódio maluco, engraçado e ao mesmo tempo triste. Só a cena final quase faz valer a pena o retorno do seriado…

Quase, porque como uma banda veterana, a equipe de Arquivo X ainda sabe tocar os velhos sucessos. Porém, há uma melancolia vinda da percepção de um simples fato: por mais que a banda toque bem, e de vez em quando até produza uma nova música mais especial, nunca mais será do jeito que era antes, quando todos eram jovens. Quando nós éramos jovens. A ideia central da série ainda funciona e é tão sólida quanto sempre foi, apesar de todas as mudanças do cenário televisivo americano desde os anos 1990 até hoje. Mas é quase impossível fazer o gênio voltar para a garrafa. Duchovny e Anderson já estão mais velhos e percebe-se a disposição deles de não querer se esforçar muito. Há uma grande satisfação em vê-los tocar de novo, mas algumas coisas da vida – muitas, na verdade – ficam melhor no passado.

Bom, pelo menos temos uma música nova bacana – ou neste caso, um episódio. Sempre teremos o Monstro. Já é alguma coisa.