Não conhecia Mark O’Brien, nunca havia ouvido falar dele. E após conhecer um retrato de sua vida, em As Sessões, é muito difícil dizer que não o admiro. Afinal é preciso ter uma baita força de vontade de viver após contrair poliomielite aos seis anos de idade, e depois disso se tornar jornalista e poeta reconhecido.

Mas ainda assim, faltava alguma coisa na vida de Mark, o sexo. E claro que isso mostrava-se como um problema complexo de ser resolvido, visto que o seu corpo estava paralisado do pescoço pra baixo, ainda que tivesse sensibilidade, e para viver ele precisava de uma espécie de pulmão de ferro.

Mostrando-se como um homem religioso que se sentia culpado por uma série de traumas familiares, achando que sua família se desintegrou por causa da sua doença, Mark (John Hawkes) é um homem que se aproxima dos 40 anos, sabe que não vai mais viver por muito tempo, e por isso decide de uma vez por todas que não quer morrer virgem, e que não quer mais que o sexo seja uma experiência dolorosa. Para isso, ele conhece Cheryl (Helen Hunt), uma profissional especializada em despertar a sexualidade de pessoas com deficiência ou limitação física, e começa a fazer sessões com ela, com a finalidade de, ao fim do processo, poder ter uma vida sexual normal. Durante isso, ele busca os conselhos do Padre Brendan (Willian H. Macy), que tenta ajuda-lo conciliando o que é o certo para a sua doutrina e o que é necessário a se fazer devido às necessidades de Mark.

As Sessões é o tipo de filme completo, onde todos os seus elementos são desempenhados de forma muito competente, tendo uma unidade de excelência de altíssimo nível. E como é bom poder assistir a um filme assim, onde tudo, desde o roteiro, passando pela fotografia, montagem, direção e atuações são extremamente bem desempenhadas e envolventes.

O bom humor empregado pela narrativa, ditado pelas sempre criativas falas de Mark, traz uma leveza maravilhosa ao filme, que cai como uma luva na trama. E o mérito disso reside no ótimo trabalho de Ben Lewin, roteirista e diretor do filme, que conseguiu agregar tais elementos com habilidade e inteligência, introduzindo o humor aos poucos, de maneira sutil e acertada. Além de emocionar (e muito) contando a história do protagonista com dignidade e simplicidade, sem forçar a barra para causar alguma identificação forçada com a situação do personagem.

A montagem de Lisa Bromwell vai chamando a atenção aos poucos, parecendo bastante discreta no início, vai ganhando confiança e destaque no decorrer da trama, e no fim já possui papel bastante importante apresentando grande desenvoltura, sabendo o momento exato de mostrar cada cena, tornando o desfecho muito mais bonito e tocante.

Mas embora tudo tenha sido desempenhado de maneira correta, está nas atuações o maior mérito do filme. Desde os coadjuvantes que passam pouco tempo na tela, até os mais importantes para a trama, todos cumprem muito bem o seu papel. É incrível como que mesmo tendo pouco tempo em cena às personagens de Moon Bloodgood e Annika Marks chamam muito a atenção. A primeira como uma das assistentes de Mark, tem uma sutil transformação, mostrando-se inicialmente emburrada e introspectiva, e depois se soltando e sensibilizando pela situação do seu paciente; e a segunda desfila uma beleza estonteante na tela, sendo a primeira pessoa a quem Mark consegue emocionar ao dizer que a ama, e a atriz transforma tais cenas em momentos dentre os mais bonitos do filme.

O ótimo personagem de William H. Macy, responsável pelo debate espiritual que o filme quer tratar, visto que uma das razões que fizeram com que Mark não buscasse o sexo anteriormente foi uma espécie de culpa católica, cumpre um papel de amigo e confidente, antes de padre. Brendan assume uma função fundamental para a mudança de Mark, e tem consciência de que mesmo que alguns conselhos dados não sejam os que mandam os dogmas da igreja à risca, sabe que aquilo era a coisa mais humana a se fazer, entendendo a situação do outro e o que aqueles atos representam para ele, apresentando assim uma interessante parcela da igreja católica, menos conservadora e intolerante, e mais amável, flexível.

E o que dizer da dupla de protagonistas? Há uma entrega tão verdadeira nos trabalhos de Helen Hunt e John Hawkes, que é difícil definir quem está melhor. A atriz, que andava sumida dos grandes papeis, volta com uma personagem complexa e interessante, mostrando logo de cara que não se trata de uma prostituta (embora ela não tenha nada contra elas), mas sim uma pessoa que trabalha numa espécie de “despertar sexual” do paciente, e para isso possui muitas regras e uma metodologia de trabalho bastante profissional. A afeição dela por Mark é construída de maneira sutil e verdadeira, fazendo com que o carinho que sintamos pelo poeta seja transferido também para ela, e isso se dá muito pela atuação de Hunt, com uma merecidíssima indicação ao Oscar.

Mas a atuação de Hawkes é… diferenciada, é daquelas que ficam na memória. Seria basicamente dizer que em Mark está todos os elementos citados neste texto até agora, e tudo isso também está no trabalho do ator, que apenas utilizando o rosto e a voz para se expressar, traz o peso de toda uma vida cheia de limitações, que são suprimidas pelo poder de uma mente poderosa que quer mostrar que pode fazer qualquer coisa, e tudo isso de maneira apaixonante e verdadeira, com um bom humor típico dos seres humanos superiores. Inacreditável a ausência de Hawkes para o Oscar de melhor ator neste ano.

Sei que já se tornou até repetitivo terminar textos dessa maneira, mas não consigo: é decepcionante, triste, inaceitável e revoltante constatar que este filme não chegou aos cinemas daqui. É uma pena ver que um trabalho tão tocante, e com um potencial popular tão acentuado foi esquecido, preterido por trabalhos bem menos relevantes. Torço pra que filmes como estes sejam descobertos pela internet, assistidos, e que isso se torne algo mais comum, pra que com o passar do tempo haja uma exigência de um número cada vez maior de pessoas para que as redes de cinema criem vergonha na cara e pensem em uma forma mais inteligente e diversificada de distribuição de filmes.

Mas até lá, esperarei sentado.

NOTA: 8,0