Ingmar Bergman ficou reconhecido mundialmente como mestre do cinema, destacado sempre pela extensa filmografia abarrotada de obras-primas. O cineasta foi, contudo, um homem do teatro. Com uma produção teatral intensa, ele ficou a frente dos principais teatros da Suécia, tornando-se um ícone no seu país de origem.

Unindo duas paixões de Bergman, “A Flauta Mágica”, ópera clássica de Mozart, representa duas facetas formadoras do artista Bergman. Na encantada história do compositor austríaco, encenada como uma peça de teatro, porém, filmada para a televisão, o diretor faz uma ode à sua infância. Na ópera de Mozart o príncipe Tamino (Josef Köstlinger) é convencido pela Rainha da Noite (Birgit Nordin) a salvar sua filha Pamina (Irma Urrila), mantida prisioneira pelo feiticeiro Sarastro (Ulrik Cold). O jovem se apaixona pela imagem de Pamina e embarca na aventura para salvá-la com o auxílio de uma flauta mágica.

Bergman afirmou que a intenção por trás desse trabalho, feito especialmente para a televisão, era fazer algo acessível para todos os públicos, que encantasse da criança ao adulto. É exatamente o que ele consegue. Construído sob uma linguagem onírica e imaginativa, a narrativa nos moldes dos contos de fadas de “A Flauta Mágica” leva o espectador à experiência do teatro e revela aspectos de Bergman desconhecidos de grande parte do público: a relação íntima com o teatro e a música.

Não apenas uma representação da ligação criada na infância do diretor com a arte, o filme também é um belíssimo exemplo da habilidade em lidar com a música. “A Flauta Mágica” simboliza a grande paixão de menino do diretor pela arte, e como ele fez disso um universo particular.


FACE A FACE

A psique humana sempre foi elemento explorado, em maior ou menor nível, nas obras de Ingmar Bergman. No seu primeiro filme, temos o atormentado Jack (Stig Olin) ou ainda Birgitta Carolina (Doris Svedlund) em “Prisão”, dois personagens que chegam ao seu extremo. Ainda assim, é com “Face a Face” que Bergman se debruça completamente ao tema.

Com um texto sólido e uma interpretação irreparável de Liv Ullmann, “Face a Face” porém não escapa de uma derrapada certeira. Jenny Isaksson (Liv Ullmann) é uma psiquiatra de sucesso, mas que como muitos dos seus pacientes, sofre com uma profunda depressão. Sozinha e sem o suporte do marido, ela é confrontada por uma série de eventos e memórias que a levam a um colapso mental, expondo-a aos limites mais perturbadores da sua doença. Bergman mais uma vez nos oferece um excelente trabalho de escrita, como feito anteriormente em “Cenas de um Casamento”.

Diálogos questionadores e que vão mais além daquilo que é verbalizado, garantem ao filme a consistência necessária para um tema tão sério. É difícil avaliar quão autêntico é o retrato feito pelo diretor, a sensação que se tem é de um trato cuidadoso e experiente, reforçado por uma linguagem muito afinada em transformar em cinema essas situações. Liv Ullmann projeta isso com rigor. Repetindo sem surpresas a atuação assombrosa dos trabalhos anteriores, a atriz dialoga perfeitamente com o que Bergman quer dizer.

Contudo, a solução colocada pelo diretor não acompanha tudo feito até então. A narrativa leva uma rasteira, da qual é impossível recuperar o fôlego. No resultado, fica o sentimento agridoce por algo que poderia ser mais uma obra-prima.