No Advogado de Defesa, a equipe do Cine Set sai em defesa de filmes que foram injustiçados pela crítica em geral ou pelo público.

Muito já ouvi e li, de críticos que confio e acompanho regularmente, sobre como determinado diretor em determinado filme não estabelece um julgamento sobre os personagens, considerando isso um sinal de maturidade do realizador, entregando ao público a responsabilidade de condenar ou não as ações que aconteceram ali, que determinada situação é complexa, cabem outras opiniões, que não seria adequado o filme tolher tais manifestações.

E foi com certa decepção que vi alguns desses críticos, e um considerável número de pessoas, criticando duramente “Bling Ring” por, dentre outras coisas, não condenar a atitude daquele grupo de adolescentes que invadiram residências de celebridades e roubaram dinheiro, joias e roupas de luxo.

Parece-me um caso de dois pesos e duas medidas. A diferença, conjecturo, é que no filme de Coppola é muito difícil simpatizar com as figuras que são mostradas: crianças arrogantes, mimadas, mal educadas, insolentes, de caráter defeituoso, que agem de maneira criminosa pelo pura falta de limite em seus atos e pela certeza da impunidade, e com isso fica uma aparente necessidade, em alguns espectadores, que haja uma manifestação da sua diretora dizendo que aquilo é um absurdo, que aqueles adolescentes mereciam uma punição severa pelo que fizeram etc.

Mas se aquelas figuras são tão caricatas em sua falta de complexidade, e suas ações são tão facilmente condenáveis, seria mesmo necessária uma lição de moral?

Acredito que não, e assim como cito no primeiro parágrafo, tal escolha de Coppola faz bem ao trabalho.

Aliás, as escolhas assumidas pela diretora foram certeiras e ousadas, e não à toa causaram opiniões bastante divididas, até mesmo na estreia do Festival de Cannes, em que vaias puderam ser ouvidas.

Quem são essas pessoas? O que fazem? O que querem? Fica evidente que Coppola pensou muito bem nessas perguntas ao escrever o roteiro, baseado no artigo de Nancy Jo Sales que conta a história real do grupo, e percebeu que nem eles saberiam responder a essas perguntas. As garotas (e garoto) mostradas possuem um acompanhamento frouxo dos pais, parecem não ter recebido “nãos” quando mais jovens, possuem desinteresse absoluto por qualquer tipo de atividade que se assemelhe a trabalho ou estudo, e passam tempo demais vendo televisão e estando na internet. De repente, descobrem a melhor notícia de todos os tempos da última semana: É possível entrar nas casas daquelas famosas que elas conhecem da TV! Sério! O Google Maps faz milagres! E perceberam que aquilo é verdadeiramente divertido, e mais: Já que elas são tão ricas, dá pra pegar umas joias, roupas, dinheiro, afinal elas são milionárias, não vão sentir falta. Isso! E com esse dinheiro, essas roupas, posso ir naquela balada que eu sempre quis! O meu Face vai bombar, imagina só quantas curtidas! E quando uma casa já tá manjada, descobrem que tem uma outra, que também é super bacana, que também tem muito dinheiro, e que também irá garantir a próxima balada e fotos do Instagram, até que encontrem uma outra residência pra reiniciar o fluxo que nunca para.

E é só isso. E está perfeito! Coppola escancara o vazio daquelas pessoas, mostra que sim, que elas existem, e que por passarem tempo demais fazendo coisas de menos, adquirem uma visão de mundo diferente da real, a do condomínio de classe média, com todas as respostas vindo do Google, e com uma total falta de limites. Ou seja, tudo o que é legal de fazer é roubar, ir pra festa, atualizar o Facebook, e já ir pra próxima casa, qualquer coisa além disso não é divertido.

Inteligentemente a cineasta mostra que com o passar do tempo eles se tornam mais profissionais, não se deslumbram tanto, vão direto ao serviço, analisam rapidamente o que querem levar, e seguem objetivamente com o planejado, como no brilhante plano em que a câmera há muitos metros do local mostra os dois entrando na casa, roubando e saindo rapidamente. O roubo com o tempo deixou de ter caráter “recreativo” e passou a ser encarado como um trabalho, a fonte de renda que sustenta a vida luxuosa do grupo, o passaporte para a felicidade. E chega até a ser engraçado ver a facilidade com que o grupo foi identificado e preso, como a ingenuidade deles era tanta, que não imaginavam que um dia a sua farra teria fim, e que traria sérias consequências. Não que isso tenha feito que eles se arrependessem, como fica claro no desfecho do trabalho quando eles se divertem com a fama alcançada por seus atos, sendo completamente dissimulados ao se dizerem inocentes e/ou arrependidos.

“Bling Ring” também tem um mérito extraordinário vindo do seu elenco jovem e talentoso, com uma unidade de atuação em alto nível. Se Watson provou, com este trabalho, que pode ser muito mais do que apenas a Hermione, Chang e Broussard estão excepcionais e são o grande destaque do filme, formando uma dupla forte, estabelecendo uma parceria torta, mas poderosa, através de suas personalidades intensas. Atores para ficar de olho!

Finalizando o trabalho com uma concisão sensata, em 90 minutos Sofia Coppola nos apresentou a um universo de figuras unidirecionais, de pensamento estreito, de verdades absolutas, e transformou isso em cinema de ótima qualidade, realizando assim, na opinião deste que vos fala, o melhor filme de sua carreira, e um trabalho que precisa ser revisto com mais cuidado e atenção.