Dentre os muitos prazeres que a vida de cinéfilo proporciona, certamente está aquele que é poder ver um novo filme de um grande mestre. Ainda mais quando se trata de Woody Allen que, acredito, está no panteão dos maiores.

Muito se fala da última década do autor, que ela não está no mesmo nível de outrora, que acaba se repetindo em certas situações, e já não tem mais a mesma vitalidade de antes… Bom, acho bobagem isso. Um diretor como Allen, que lança um filme por ano desde 1982(!), manter-se atuante e relevante da forma como consegue até hoje, deve ser homenageado constantemente, sem contar o fato de que quem pensa dessa forma ignora filmes excepcionais como Match Point (2005), Vicky Cristina Barcelona (2008), Tudo Pode Dar Certo (2009), e Meia-Noite em Paris (2011), que certamente se encontram entre as suas melhores obras. E ainda que nem precise dizer isso, mesmo os trabalhos menos inspirados do diretor são, no mínimo, interessantes o suficiente para serem apreciados, além de se  mostrarem acima da média do que é oferecido pelo cinema comercial.

Pensando bem, nem precisava dessa introdução toda, uma vez que Blue Jasmine é mais uma prova do quanto Allen se mantém criativo e interessante, entregando mais um longa pra ficar registrado entre os melhores de sua já fenomenal carreira.

Blue Jasmine nos apresenta Jasmine (Cate Blanchett), uma mulher que desde jovem sempre quis ter uma boa vida financeiramente, cercada de luxo, e de tudo o que de melhor o dinheiro pode proporcionar. Ela casa-se com Hal (Alec Baldwin), um empresário que é muito bem-sucedido financeiramente, mas que consegue todo esse sucesso através de ações ilegais em suas empresas. Depois de muito esbanjar e cometer irregularidades, Hal acaba sendo preso, e Jasmine perde todo o dinheiro que tinha. Em tal situação, ela se vê obrigada a ir pra casa da irmã, Ginger (Sally Hawkins), a qual sempre desmereceu por não ser elegante e bem sucedida financeiramente. O que era pra ser uma rápida visita acaba se tornando uma longa estadia, o que representa um longo sofrimento a Jasmine que sonha em voltar a ter o estilo de vida que tinha anteriormente.

Assistindo aos trailers disponibilizados na internet, admito que fiquei intrigado pelo fato dos vídeos levarem a crer que se tratava de uma comédia sobre uma perua que perde todo o seu dinheiro e que tem que aprender a conviver com a irmã pobre, o que contrastava com as críticas escritas sobre o filme, que diziam que se tratava de um retorno do diretor aos dramas profundos. Depois de assistir ao filme, percebo que se trata de uma espécie de meio termo entre as duas coisas.

O filme caminha muito bem pelos dois momentos, estabelecendo uma comédia que não dilui o potencial dramático, e vice versa. Temos a primeira metade, em que as situações propostas sugerem um maior grau de comicidade, ao passo que na segunda parte Jasmine segue um rumo mais denso e carregado. O que faz com que pareçam inadequados certos momentos da trilha sonora, transmitindo um tom cômico que conflita com passagens de grande potencial dramático.

Também pode-se dizer que a montagem seca de Alisa Lepselter, colaboradora de Allen há 14 anos, (que de tão seca assemelha-se com a de O Sonho de Cassandra (2007)) realiza quebras que acabam dissolvendo a atmosfera de determinadas cenas que pediam um maior tempo de respiração, e assim soam podadas de maneira abrupta. Ao mesmo tempo que Allen opta pela utilização de diálogos expositivos em diversos momentos, sublinhando emoções, intenções, momentos, de maneira desnecessária.

Tais “problemas”, porém, se tornam detalhes quando observa-se as muitas qualidades do trabalho. Se os diálogos não são tão incríveis, a trama é. É maravilhoso ver uma trama tão madura, que não faz concessões de nenhum tipo, por motivo algum, e que se torna grandiosa e bela justamente por isso. É o domínio de um exímio roteirista, que por não se colocar em obrigações limitadoras que a indústria exige, consegue realizar um trabalho de tamanha potência e personalidade. Lembra-me um dos filmes mais cruéis e marcantes que já vi em minha vida, o longa de 1985 do diretor “A Rosa Púrpura do Cairo”. Nunca vou me esquecer daquele final…

E não é só o roteirista que merece os créditos, o diretor também. Desenrolando as cenas com elegância e sutileza, aproveitando-se da belíssima São Francisco, Allen emprega a sua já reconhecida sofisticada direção para potencializar ao máximo o material que possui. Intercala de maneira fluida e inteligente o antes e depois de Jasmine, e mostra-se discreto e inteligente quando o momento de destaque está no elenco. E aqui, mais uma vez, ele se mostra um exímio diretor de ator, haja vista que o filme apresenta um elevadíssimo nível de atuação do elenco, estando todos muito bem em seus respectivos personagens.

Mas o maior destaque, sem sombra de dúvida, fica para a… (me faltam adjetivos) gloriosa Cate Blanchett. Ela que andava um pouco sumida dos grandes personagens, graças a Deus está de volta, e me arrisco a dizer que aqui ela encontra a melhor atuação da sua já excelente carreira. A australiana é aquele tipo de atriz que já alcançou um outro nível de atuação, chegou em um ponto em que fica difícil discernir onde termina a atriz e onde começam os seus personagens. A naturalidade com que consegue estabelecer as emoções, motivações e sentimentos de seus personagens é tanta, que parece que ela “nem faz força pra atuar”. Com Jasmine, ela estabelece uma personagem cheio de defeitos, mas ainda assim irresistível, impossível de não torcer a favor. Diferencia através de sutilezas os dois momentos de sua personagem, altiva e elegante quando rica, humilhada, envergonhada, nervosa e paranoica quando pobre. E nas ocasiões em que o papel exige maior força da atriz, em momentos, aliás, nada fáceis de se fazer sem parecer falsa e exagerada, Blanchett cumpre o seu papel de maneira brilhante, indo muito, muito além do que o papel pede.

Como disse no início do texto, é um enorme prazer poder apreciar um novo filme de um mestre. E quando ele se junta com a melhor atriz da geração dela, só poderia resultar nisso. Grande, grande filme.

NOTA: 8,5