Este ano, por coincidência, os dois filmes que mais geraram polêmicas foram os que envolveram personagens que iniciaram a sua caminhada no mundo cinematográfico na década de 80. Batman Vs Superman – A Origem da Justiça continua os seus debates calorosos nas redes sociais, situação que voltou a tona após o lançamento da versão do diretor há duas semanas. A outra controvérsia de 2016 acredite se quiser, veio da releitura da comédia oitentista, no caso o fenômeno cultural que marcou uma geração, Os Caça-Fantasmas (1984) de Ivan Reitman.

Diferente do conflito “birrento” entre a crítica e o público em relação ao filme do morcego e homem de aço, o novo Caça-Fantasmas (2016) dirigido por Paul Feig foi marcado pela “polêmica” em torno da mudança feita pelo reboot de substituir o elenco masculino pelo feminino. Não demorou que a internet fosse inundada por comentários machistas cada vez mais frequentes, onde “homens” se escondem atrás de computadores, para proferir sua visão chauvinista sobre as mulheres, apenas para provar seu status quo de macho alfa enquanto na verdade suas ações denotam um comportamento imaturo, de uma criança insegura em torno da sua própria concepção de mundo.

Deixando esta visão reducionista de uma sociedade conservadora que não aceita a mulher em destaque e analisando o novo filme pelos seus méritos, dá para constatar que toda polêmica relacionada a ele não cabe (e é injusta) até em razão do produto final ser uma comédia boba e ingênua, uma releitura descompromissada de atualizar a fórmula “espanto + comédia” que deu tão certo nos idos dos anos 80 com o sucesso de obras como Deu a Louca nos Monstros (1987), Gremlins (1984), A Hora do Espanto (1985) e o próprio filme original.

Na verdade, o reboot passa longe de ser um entretenimento de qualidade ou marcante, ainda que guarde um saldo positivo por utilizar as referências do filme original e atualizá-las ao contexto moderno. Entre os deslizes e fragilidades do roteiro, há boas sacadas e momentos espirituosos que se perdem numa estrutura narrativa de aventura que jamais atinge a ótima mistura que o original realizava com maestria: unir a comédia aos elementos fantásticos, que por sua vez, apropriava-se do sobrenatural e da ficção científica como força motriz para conectar-se ao timing cômico ideal.

O roteirista e diretor Paul Feig já mostrou em suas comédias anteriores (Missão Madrinha de Casamento e A Espião que Sabia Demais) que sabe trabalhar com a diversidade feminina dentro de temáticas cotidianas normais. Tendo um material mais fantástico em mãos, o diretor se perde por não encontrar o melhor equilíbrio entre a fantasia e os arcos dramáticos (que é bem menos cínico e mais sério que o original) e de comédia do filme. Para completar, o roteiro escrito por Feig e Katie Dippold não apresenta um timing bom para a comédia, o que resulta em várias piadas fracas para um quarteto de comediantes acima da média. Para preencher esta lacuna, a dupla de roteiristas utiliza o humor apelativo e escatológico clássico das comédias teens masculinas que pessoalmente não soa adequado a uma comédia feminista.

Não é à toa que as melhores gags advém exatamente quando o texto reverência o filme clássico, seja nas participações dos atores originais (a de Bill Murray e Annie Potts são divertidas) em papéis diferentes, seja os personagens fantasmagóricos homenageados como o querido Geleia e o saudoso Stay Puff (o Monstro de Marshmallow). Além disso, a produção encontra um frescor interessante quando brinca com filmes clássicos que vão de Tubarão (1975) a O Exorcista (1973), passando por uma citação divertida ao finado Patrick Swayze.

Se o enredo principal do original é reproduzido categoricamente no novo filme – mostra a formação do grupo feminino, o colocando de frente a uma ameaça fantasmagórica em N.York – Feig consegue fugir do feijão com arroz dos reboots lançados recentementes, subvertendo algumas ideias da produção original e atualizando a premissa para uma ótica feminina que é deliciosa e espirituosa no combate ao conservadorismo machista americano. Há algumas sequências em que se nota claramente esta energia feminina ao estilo Girl Power de enfrentar as convenções bitoladas da identidade de gênero, ilustrada na ótima cena do show de rock (participação especial de Ozzy Osbourne) que coloca as meninas em um status quo de rebeldia e anarquia perante os metaleiros e nerds e que traduz um ótimo momento autoral do filme em representar o empoderamento feminino na cultura pop.

Pena que estes rompantes femininos no novo Caça-Fantasmas se limitem a breves momentos de ousadia. Na verdade, ao atualizar o discurso feminista, ele jamais oferece uma representatividade sólida aos seus argumentos. É tipo aquele jovem idealista: na internet adora comentar e criticar, mas na hora de agir, prefere se abster. Isso gera uma frustração porque deixa de aprofundar melhor este olhar atual sobre a disputa de gêneros, restringindo-se ao uso de um humor estereotipado para substituir a visão crítica, que por sua vez é falha na construção de argumentos necessários para a quebra de preconceitos, tema principal do filme.

Outro ponto que empalidece o reboot é o clímax final que ressoa não apenas aborrecido, como decepcionante por seguir a estruturas convencionais de aventura que adoram potencializar a batalha final com excessos de efeitos visuais. Vale ressaltar que neste quesito técnico, excetuando-se esta sequência, a maioria dos efeitos que compõem os  fantasmas, são dignos de destaque, ainda que sem o impacto desejado pela falta de criatividade do roteiro em saber aproveitá-los melhor na narrativa.

No mais, o casting feminino funciona bem. Se a expectativa estava depositada em Kristen Wiig e Melissa McCarthy, ambas a sua maneira dão uma personalidade própria as suas personagens, sem precisar reciclar as características do original. Ainda assim, são eclipsadas pelas desconhecidas Kate Mackinnon e Leslie Jones. Kate utiliza charme, beleza e sensualidade sendo responsável pelas cenas mais divertidas do trabalho. Ela vale cada centavo do dinheiro pago no ingresso. Já Jones mesmo presa a uma personagem estereotipada, mostra o seu carisma e energia para fugir das limitações e se destacar, diferente do que ocorria com Ernie Hudson no original, relegado a um papel de mero figurante – um olhar um tanto quanto preconceituoso da produção de 80 em relação à figura do negro. Por fim, Chris Hemsworth como o secretário das Caça-Fantasmas é uma das boas surpresas do novo longa, que numa das interessantes inversões de valores é o estereótipo masculino da loira burra, um sujeito bonito e malhado que não tem muita coisa na cabeça.

Ao seu final, não tem como negar que o reboot consegue ser divertido e descartável ao mesmo tempo. É superior sem dúvida ao segundo filme – que é mais infantiloide e raso que a nova versão – mas está léguas de distância do original, até pela sua falta da consistência de unir o fantástico com a comédia. Dentro das perspectivas, a releitura de agregar uma ótica diferenciada, pautada no feminismo é válida, mas carece de um roteiro que trabalhe melhor suas ideias. Neste ponto, a polêmica em torno da identidade de gênero e o vergonhoso ódio machista, apenas ajudaram a esconder o real problema da obra: a falta de um argumento ou um texto mais interessante para dar fôlego à franquia.