Terrence Malick, um dos diretores mais reclusos e originais de Hollywood, custou, mas finalmente conquistou para si o que chamamos de conjunto da obra: uma produção regular de filmes, nos quais ele pôde imprimir um estilo pessoal, próprio, indiscutivelmente seu. Depois de largar com estrondo com Terra de Ninguém (1973) e Dias de Paraíso (1978), o americano simplesmente abandonou a indústria por 20 anos, retornando com o soberbo drama de guerra Além da Linha Vermelha (1998), e disposto, enfim, a compartilhar com o mundo suas reflexões sobre a condição humana.

Eis que, com seu sétimo filme, Cavaleiro de Copas, que acaba de chegar ao Brasil (o longa estreou no Festival de Berlim do ano passado), o diretor chega a uma encruzilhada: o seu estilo visual peculiar, de tomadas detalhistas, extraindo imagens desconcertantes da natureza e de construções humanas, impressiona mais do que nunca – mas, pela primeira vez na carreira, Malick parece não ter nada de novo a dizer.

Estruturado de forma experimental, com capítulos batizados com nomes de cartas de tarô (incluindo o título do filme), que parecem corresponder, mais ou menos, às pessoas com que o protagonista (Christian Bale) se relaciona na história, Cavaleiro de Copas é uma história de redenção pessoal. Bale vive Rick, um roteirista de sucesso em Hollywood, frequentador assíduo do jet-set, sempre nas melhores festas e com as modelos mais lindas, mas cheio de arrependimentos em relação à própria vida, principalmente os seus fracassos amorosos. Ao longo do filme, ele irá buscar na beleza, nos prazeres e na religião a possibilidade de um novo ânimo, de um recomeço. Belas metáforas perpassam a história – o “Hino da Pérola”, do evangelho apócrifo de São Tomás, que conta a história do filho de um rei que, imbuído da missão de recuperar uma pérola para seu pai, é enfeitiçado e esquece quem é, ou a alegoria do Peregrino, de John Bunyan, sobre a busca de um homem comum pelo céu católico –, mas estas são soterradas pela estética hiperativa do diretor, que, ao contrário de A Árvore da Vida (2011) e Amor Pleno (2012), e mais como em O Novo Mundo (2004 – também com Bale), outro filme relativamente equivocado, atrapalha a catarse emocional pretendida pela narrativa.

O elenco do filme é enorme, dir-se-ia overcasted. Destaque, claro, para as mulheres do personagem de Bale – Cate Blanchett está maravilhosa como a médica Nancy, ex-mulher de Rick, mas Natalie Portman, como uma mulher casada que se apaixonou por Rick, e Teresa Palmer, como um stripper espirituosa e cheia de vida, também ficam na memória. Há ainda, de passagem, Antonio Banderas, Freida Pinto (Quem Quer Ser um Milionário?), Wes Bentley (Jogos Vorazes) e dezenas de cameos. Com tantos grandes atores ocupando até os menores papéis, Cavaleiro de Copas produz belezas até em cenas que, de outra forma, seriam banais – a sequência na mansão de Banderas é um ótimo exemplo.

O grande problema é que tudo soa confortavelmente familiar: a câmera inquisitiva, o voice-over obliterando os diálogos, as imagens estupendas, que só Malick sabe fazer, de paisagens e construções, o tom existencialista, o texto repleto de alusões filosóficas e religiosas. Um material riquíssimo, sem dúvida, e privilégio de Malick – nenhum outro diretor saberia criar uma experiência emocional tão forte com fontes tão cabeçudas –, mas é um material que foi mais longe em outros filmes do diretor, sobretudo A Árvore da Vida, até agora a manifestação máxima de seu estilo maduro. E confesso que, apesar de admirar todos os filmes do cineasta desde Linha Vermelha, para mim o melhor Malick sempre será o dos anos 70, de Terra de Ninguém e Dias do Paraíso, duas experiências cinematográficas difíceis de superar.

Mas Terrence não estagnou: se suas ideias para este filme não são as mais originais, a radicalização de seu estilo visual e a adição de novas nuances – pela primeira vez, o diretor mostra verdadeiro fascínio pelas paisagens humanas, com suas tomadas memoráveis de prédios e casas noturnas, além de abraçar, enfim, a sensualidade, com cenas de nudez que rompem com o retrato beatífico das mulheres em seus outros filmes – mostram que Malick ainda tem lenha para queimar. E, a despeito das poucas novidades, o diretor continua um dos nomes mais fascinantes a trabalhar em Hollywood. Isso deve querer dizer alguma coisa.