Ganhador dos prêmios de Melhor Direção e Som do Festival de Brasília de 2017, o curta-metragem do Rio de Janeiro, “Chico” é uma produção de rara felicidade ao misturar o cinema de gênero – no caso, a ficção científica – com uma crítica social tão urgente para os nossos tempos.

Ambientado em 2029 no Rio de Janeiro, o filme dirigido pelos irmãos Eduardo e Marcos Carvalho mostra um Brasil após a aprovação da lei de ressocialização preventiva via referendo. A medida visa internar jovens propensos a cair no mundo da criminalidade nas grandes cidades como uma forma de gerar mais segurança para a população. Traduzindo: fazer uma faxina e retirar das ruas garotos negros de comunidades pobres. Dentro deste contexto, acompanhamos o relacionamento turbulento de uma mãe com o filho de 10 anos.

Como se pode perceber, o roteiro de Tiago Coelho parte de uma premissa fabulosa ao colocar o perigo de um discurso reacionário tomar conta da segurança pública. A fala preconceituosa e racista embalada na frieza de dados estatísticos do fictício ministro da Justiça do filme por exemplo, poderia ser imaginada facilmente por um integrante de um governo (bate na madeira 10x) à la Jair Bolsonaro (bate na madeira 10x de novo). “Chico” escancara como o discurso usado muitas vezes em prol de um pseudo bem social camufla o preconceito e a tentativa de invisibilidade do povo negro e pobre, colocando esta população ainda mais na marginalidade.

Trancar, prender, marginalizar é muito mais fácil do que dar dignidade, valorização e reconhecimento a estes jovens tanto no filme quanto no cotidiano brasileiro. Este conceito vem sendo praticado diariamente pela polícia e sistema judiciário ao colocar garotos pobres e negros frequentemente nas cadeias superlotadas sem nunca pensar na raiz dos problemas. Nada tão simbólico como a presença do adereço metálico nas pernas dos personagens do curta remetendo à escravidão para mostrar como esta é uma questão longe de ser nova no Brasil.

Cair apenas no discurso social e até panfletário seria uma tentação que não chegaria a ser condenável devido à importância do tema, porém e ainda bem, “Chico” vai além. É impossível não se comover com o desenvolvimento da mãe interpretada por Jeckie Brown: Nazaré é uma mulher que sempre sofreu na vida sem ter tido um único aniversário, passou por um parto traumático e humilhante, fora todo o contexto social em que está inserida. Mesmo com toda a raiva e uma forma bruta de falar com o filho, são os momentos delicados na revelação de quem fez o bolo ou na sequência final que dão uma complexidade à personagem comovente. Também vale ressaltar o trabalho muito bem feito de Lúcia Taliabi como a avó de Chico.

Vale destacar todo o trabalho de som conduzido por Gustavo Andrade capaz de dar uma dimensão do horror daquele universo do filme seja nos gemidos e gritos do parto de Nazaré ou no início da batalha acompanhado sobre o olhar da matriarca da família. A solução mostra-se extremamente engenhosa para driblar a falta de orçamento na produção de cenas de ação. Todo o trabalho de direção de arte com as pichações nas paredes do prédio onde a comunidade busca refúgio aliada à câmera na mão remetem de imediato ao clima claustrofóbico e cheio de tensão de “Filhos da Esperança”, o melhor longa da carreira de Alfonso Cuáron. Pena os planos-sequências aqui serem alongados demais em determinados momentos.

“Chico” é tão rico em conteúdo e conduzido de forma precisa que fica o desejo de vermos mais daquele mundo elaborado no roteiro. Isso é o maior sinal de quando uma curta-metragem dá certo.

E que o mundo do filme permaneça sendo uma ficção.