Hoje ninguém lembra, mas houve um tempo em que Joaquin Rafael Phoenix (1974) era mais conhecido como o “irmão de River”, em deferência ao parente famoso, o talentosíssimo e trágico River Phoenix (1970-1993), uma das grandes promessas da geração 1980, que acabou morrendo de overdose de heroína.

Filho de um casal de hippies viajantes, que percorreu o México e os países da América do Sul na década de 70, Joaquin nasceu em San Juan, Porto Rico, em pleno percurso. Incentivado desde cedo a desenvolver seus talentos, Phoenix ajudava no sustento de casa fazendo apresentações artísticas ao lado dos quatro irmãos.

Como os irmãos, também, Joaquin se aventurou pela atuação. Ao lado principalmente de River e da irmã Summer, Phoenix fez diversos trabalhos para a televisão, revelando desde cedo a capacidade de iluminar tipos perturbados e-ou à margem na sociedade. Ao longo da década de 80, porém, ele não passou de um ator mirim, satélite do irmão célebre e badalado.

Tudo mudaria com o episódio da morte de River, que abalaria profundamente o jovem ator. O áudio da ligação de Joaquin para o 911, o serviço público de ambulâncias, ganharia a atenção e comoção mundiais nos dias seguintes à tragédia. A voracidade da imprensa em capitalizar o evento, invadindo a vida dos Phoenix sem o menor respeito ou pudor, também contribuiria para o afastamento de Joaquin de Hollywood, no início dos anos 90. Mas não era possível fugir à vocação.

O novo Joaquin que emergiu da tragédia era realmente “novo”: seguro, dedicado, indômito nos papéis. Participações aclamadas em filmes como Um Sonho sem Limites (1995), Círculo de Paixões (1997) e Pela Vida de um Amigo (1998) preparariam o terreno para explosão, no ano 2000, com três papéis antológicos. Mais sobre isso na lista que segue:

Gladiator155. Gladiador (2000)

Caminho sem Volta e Contos Proibidos do Marquês de Sade comprovariam que um talento avassalador estava na praça, mas, para o grande público, a aparição mais marcante de Joaquin continua sendo como o imperador Commodus, em Gladiador. Russell Crowe podia ser o herói da trama, que alude à revolta de Espártaco, o único escravo a conseguir desafiar de fato o poder romano, mas a alma do filme era Joaquin. Corroído pela inveja de Maximus (Crowe), o general-tornado-escravo, subjugado pelo pai (Richard Harris), e nutrindo uma paixão incestuosa pela irmã (Connie Nielsen), Phoenix é todo fumaça e espelhos: sua caracterização ao mesmo tempo fascinante e repulsiva empresta complexidade moral à trama simples, mas dirigida com empolgação, do grande Ridley Scott.

ah0stHmzPO7S3rXO1CN3JfEfsYa4. Johnny & June (2005)

Indo mais fundo em seus tipos sombrios, Joaquin Phoenix encarna a lenda do country Johnny Cash, cujas canções diretas e sem enfeites sobre a realidade de marginais americanos o levaram a ser atração regular em presídios.

A voz grave e o aspecto solene do “homem de preto” foram um desafio para Joaquin, mas este o superou de forma brilhante; também no retrato do martírio pessoal do homem, que se culpava pela morte do irmão mais novo e enfrentou um grave problema com as drogas, antes de encontrar paz de espírito e felicidade doméstica ao lado da cantora June Carter, vivida por Reese Witherspoon.

Se o franzino Joaquin não parece a escolha mais acertada para viver o grande – inclusive no tamanho – cantor, basta assistir a cena do teste pra gravadora, em que ele interpreta “Folsom Prison Blues”. A força do olhar do ator, e sua entonação exata, não deixam dúvidas – por um momento, é Johnny Cash que invade a tela. Maior elogio não há.

Primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator.

Her3. Ela (2013)

Se Joaquin Phoenix se especializou em viver homens misteriosos, atormentados, à margem, em Ela ele romperia esse estereótipo de maneira magnífica.

Esbanjando encanto e melancolia na sua interpretação de Theodore Twombly, um homem gentil que escreve cartas para pessoas sem tempo ou imaginação, Joaquin dá vida a um improvável romance, que começa quando Theo adquire um sistema operacional capaz de interagir à perfeição com os humanos.

No caso, “uma” sistema: Samantha (Scarlett Johansson, que consegue transmitir simpatia, tristeza e aflição genuínas apenas com o trabalhoso cuidadoso da voz), uma entidade animada e encorajadora que consegue alegrar a vida do escritor, recém-separado, e que não sabe como encarar a vida após essa perda.

Tudo funciona à perfeição no filme, o maior, até agora, do sempre inventivo Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich). Fugindo à tentação óbvia, Ela não pretende ser uma crítica do mundo dominado pelas redes sociais e seus relacionamentos frágeis. Ao contrário: apenas se limita a retratar, com sublime tristeza, o quanto qualquer relacionamento está sujeito à confusão inerente em todos nós. Retrato esse que só se tornou tão belo porque seu rosto era Joaquin Phoenix.

two-lovers-19-11-2008-26-11-2008-7-g2. Amantes (2008)

Não dava pra fazer uma lista sobre Joaquin Phoenix sem citar as colaborações com o diretor James Gray: “Caminho Sem Volta” (2000), Os Donos da Noite (2007) e Era uma Vez em Nova York (2013). Acima de todas, está o drama romântico “Amantes”.

Ao lado de nomes como Gwyneth Paltrow e Isabella Rosselini, Phoenix se destaca ao compor um homem dividido pelo amor de duas mulheres. A fragilidade apresentada pelo ator ao personagem despreparado para viver uma situação emocional tão intensa e complexa carrega “Amantes” para um romance maduro como pouco se vê no cinema atual.

Daquelas pérolas que merecem ser descobertas.

joaquin-phoenix-the-master-01-1930x9751. O Mestre (2012)

Antes do detour de Ela, e logo após uma muito propalada aposentadoria do ator, que, numa piada sem graça, anunciou que iria deixar a carreira para se tornar rapper (saiba mais sobre a presepada em nosso Pior Filme), Joaquin Phoenix exibiu o máximo da sua capacidade de interpretar tipos perturbados.

Mais um trabalho fantástico do diretor Paul Thomas Anderson, que em sua fase recente não encontra rival nos Estados Unidos, O Mestre é uma densa e – novamente o adjetivo – perturbadora análise do poder e dos impulsos que movem a religião.

Centrado na figura de Freddie Quell (Phoenix), um ex-soldado atormentado pela experiência na 2ª Guerra Mundial, que não consegue se ajustar à sociedade, o filme tem munição de sobra para atiçar o ceticismo do espectador, mas também a compreensão da força transformadora da crença.

Com alusões à Cientologia, a religião da moda em Hollywood, encarnada no filme na figura do misterioso Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), que em vários pontos lembra o criador da seita, L. Ron Hubbard, O Mestre é mais um golpe de Anderson nas certezas do espectador, e um daqueles filmes cujo escopo e ambição superam quase tudo que é feito em Hollywood hoje em dia. À frente dele, e iluminando esse vasto painel, o equivalente de Anderson entre os atores de sua geração: Joaquin Phoenix.

O pior:

im_still_here_movie_image_joaquin_phoenix_01I’m Still Here (2010)

Com vários trabalhos impecáveis no currículo, Joaquin Phoenix decidiu que também precisava se desafiar na comédia. Uniu-se a Casey Affleck, o irmão mais novo, e bem mais talentoso como ator, de Ben Affleck, e juntos os dois conceberam um mockumentary nos moldes do sensacional Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2006). Bom, esse lance de pegar carona em outros filmes já não é lá muito promissor, e a ideia de humor de Phoenix e Affleck – nudez masculina, fezes, paródias de hip-hop – certamente não é das mais inspiradas.

Esbanjando constrangimento onde os outros filmes de Joaquin Phoenix mostram talento e inteligência, I’m Still Here foi um embaraço tão grande para a distribuidora Magnolia Pictures que o filme até hoje segue inédito em boa parte do mundo. Melhor assim, tanto para a carreira de Phoenix quanto para a já claudicante vida inteligente do cinema.