Numa lista sobre Robert De Niro, é extremamente fácil cair no oba-oba consagrador. Afinal, o ator americano pode muito bem ser o maior nome de sua profissão – em todos os tempos. Sua carreira é marcada por trabalhos intensos, exigentes, desafiadores, e teve seu melhor momento justamente quando o cinema americano entrava no apogeu, na década de 1970, época em que gênios como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Hal Ashby fizeram seus trabalhos definitivos.

Para fugir dessa tentação, a Lista de hoje foge dos inevitáveis Taxi Driver, O Poderoso Chefão, Cabo do Medo e congêneres, preferindo mostrar cinco trabalhos menos lembrados, mas igualmente importantes, na carreira do ator. Como nenhum nome é sagrado para nós, também trouxemos um filme que pode facilmente ser considerado a maior mancha na carreira de De Niro. Um exercício saudável, para lembrar que até gênios podem errar feio.

5. O Rei da Comédia (1983)

Falar de Caminhos Perigosos ou Taxi Driver é fácil. Difícil é lembrar deste filme, uma das parcerias menos conhecidas de De Niro com o diretor Martin Scorsese. O ator nunca esteve tão sinistro quanto na pele de Rupert Pupkin, um desocupado que resolve sequestrar um comediante famoso (Jerry Lewis) para provar que ele próprio merece uma chance na profissão.

Um grande exemplar da fase mais produtiva da dupla, O Rei da Comédia merece ser resgatado urgentemente do oblívio. Vale o esforço, garanto.

4. Tempo de Despertar (1990)

A obra que deu a quinta indicação ao Oscar a De Niro causa convulsões nos cinéfilos mais cascudos. O motivo: no mesmo ano, o ator fez mais uma parceria antológica com Scorsese, Os Bons Companheiros, possivelmente o maior trabalho do grande diretor – e que foi quase completamente ignorado na premiação. Mas a verdade é que mesmo a atuação superlativa naquele filme NÃO supera a entrega de De Niro neste aqui.

Como um paciente psiquiátrico que acorda depois de décadas em estado vegetativo, Robert De Niro faz seu trabalho mais comovente depois de Touro Indomável (saiba mais no nosso 1º lugar). Como filme em si, Tempo de Despertar não tem a força das melhores parcerias com Scorsese, ou de outros filmes clássicos do astro, mas, em termos de atuação, continua um dos suas melhores trabalhos.

3. O Franco-Atirador (1978)

A cada ano que passa, esse filme cai mais na estima dos críticos. Originalmente um réquiem terrificante pelo Vietnã, O Franco-Atirador vem sendo acusado de promover o racismo e a esterotipação, ao retratar os vietnamitas como carniceiros desprovidos de humanidade

Bom, além de ser um produto importante da melhor fase do cinema americano, o filme possui uma atuação impecável de De Niro, que vive o operário Mike Vronsky, convocado junto com seus amigos Steve (John Savage) e Nick (Christopher Walken, também em grande forma) para lutar no país asiático. Cenas como a da roleta-russa ou a da visita de Mike a Steve no hospital estão entre os pontos altos da carreira do ator.

2. Era Uma Vez na América (1984)

Robert De Niro pode ter ganhado o Oscar por seu retrato impecável do jovem Vito Corleone em O Poderoso Chefão – Parte II (1974), mas a sua contribuição definitiva aos filmes de máfia é e sempre será Era Uma Vez na América. A obra-prima do italiano Sergio Leone (que, por sinal, recusou dirigir o primeiro Chefão pra poder se dedicar a este filme) levou quase dez anos na produção, só para ser arrancada das suas mãos na etapa final e estrear com uma montagem diferente, “simplificada”, porque o estúdio temia um insucesso financeiro. O insucesso (de público e crítica) veio, Leone entrou em depressão e nunca mais dirigiu outro filme, mas, quando a versão original, de 229 minutos, foi relançada em 2003, nós finalmente vimos o que estávamos perdendo: a criação suprema de um dos maiores diretores da história.

E, dentro dela, o destaque absoluto é De Niro, como o mafioso judeu Noodles, numa saga que acompanha a sua vida e a de seu amigo Max (James Woods), desde a infância até a velhice, no mundo do crime organizado. Violência, traições, amores, perdas, todas as emoções mais brutais formam a matéria deste clássico que, mais do que um filme de gângster, é um painel complexo e tocante das relações humanas. Grande ator, grande filme.

1. Touro Indomável (1980)

Fugindo à regra das performances menos conhecidas no restante desta lista, negar o primeiro lugar a Touro Indomável seria um ato de iconoclastia vazia, tola. Porque o filme, embora goze de status lendário entre os amantes do cinema, é um filme que ainda precisa – e muito – ser mais conhecido pelo público.

Cinebiografia do lutador Jake LaMotta, Touro Indomável é também o último filme de Martin Scorsese. “Como assim?”, você talvez me pergunte. É que o diretor, acossado pelas drogas, com o casamento em declínio e vendo a sua geração naufragar nas bilheterias, foi convocado pelo amigo De Niro para o que seria o último filme dos dois juntos – Scorsese não sabia se viveria além de 1980.

Então, ele colocou tudo de si no trabalho. Uma vida inteira de amor ao cinema, de tesão por estar fazendo filmes, de intensidade criativa, de pulsões nervosas e angústias, numa história que parecia a sua própria naquele momento. Afinal, mais do que um grande boxeador, LaMotta foi um homem movido pela raiva, um poço de frustrações, impelido à destruição de si próprio. Para dar conta dessa carga emocional extrema, o único ator à altura só podia mesmo ser Robert De Niro.

E é De Niro, com sua intensidade explosiva, nunca mais repetida, com sua dedicação fanática – ele chegou a engordar 30 kg para viver o lutador em sua fase de decadência – e com sua performance puramente intuitiva, selvagem, anti-intelectual, que faz deste trabalho a maior performance de um ator na história do cinema. Simples assim.

O pior:

Showtime – É Hora do Show (2002)

O filme que marca o “divórcio” de De Niro dos grandes filmes. Talvez cansado de dar tanto de si ao longo dos últimos 30 anos, o ator resolveu dar um tempo com uma comédia fuleira (mais uma) ao lado de Eddie Murphy. Claro, não foi o primeiro filme ruim de De Niro, mas Showtime, mais do que outros, simboliza a fase em que o ator entrou e não saiu até hoje, fazendo filmes simplórios, de ação ou de comédia, e ocultando a fagulha que durante tanto tempo incendiou o cinema americano.

E no entanto, como diria, Galileu, ele se move – como visto nos últimos trabalhos ao lado do diretor David O. Russell, O Lado Bom da Vida e Trapaça, De Niro ainda tem lenha pra queimar, mas parece estar à procura de um diretor de visão, como Scorsese, para fazer fogo de novo. Bom, espero que Paul Thomas Anderson esteja lendo esta lista.