Acredito que esse texto sobre Cine Holliúdy deva ser encarado de uma maneira um pouco diferente dos demais, pois este é um daqueles raros filmes que chegam a grandes números mesmo sem o apoio de uma Globo Filmes por trás. Isso já é algo para se admirar, ainda mais àqueles que, como eu, vivem a árdua realidade de produzir audiovisual fora dos grandes centros do país.

Não que eu vá assumir um tom paternalista sobre o filme, passando a mão de forma complacente pelos erros que ele apresenta, pois se ele está sendo exibido comercialmente, aceitou ser colocado para os leões, e abriu-se automaticamente para o juízo de uma audiência que não precisa ter conhecimento de como é a difícil realidade encontrada pelos realizadores.

Cine Holliúdy, porém, possui uma verdade que não é qualquer um que apresenta: mostra o Ceará com um olhar de dentro, com personalidade própria, sem aceitar o estereótipo da novela, embora sucumba a certos clichês folhetinescos em seu decorrer.

Assumir um tom implacável aos defeitos deste filme, da mesma forma que faria com atrocidades como O Concurso (2013), seria algo incorreto e injusto, pois estes dois tipos de trabalho são completamente diferentes e devem ser analisados de maneira diferenciada também.

Porém, mesmo considerando que Cine Holliúdy tem charme e personalidade, sinto-me obrigado a afirmar que infelizmente isso não é o suficiente, e que a problemática direção do filme é a responsável por diminuir o impacto (potente, diga-se de passagem) dos personagens criados.

O filme se passa no interior do Ceará, nos anos 70. Francisgleydisson (Edmilson Filho) é um dono de cinema, o Cine Holliúdy, e está cada vez mais preocupado com a crescente perda de espaço que a sétima arte vem sofrendo em decorrência da chegada da TV para os municípios do interior. Depois de sua cidade perder o interesse por cinema, ele, sua esposa (Miriam Freeland) e seu filho (Joel Gomes) mudam-se para Pacatuba, e lá tentam fazer com que o cinema continue com prestígio, mesmo convivendo com a inevitável perspectiva da chegada da TV ao local.

Cearenses são, de modo geral, extremamente talentosos no humor. Acredito que ninguém saiba explicar o motivo que fazem com que eles possuam essa habilidade natural, mas é fato que eles têm um tempo de comédia apurado, sendo excepcionais contadores de histórias, além de serem personagens incrivelmente variados, com maneirismos verdadeiramente divertidos.

Mas isso, apenas isso, não é o suficiente para desenvolver um filme de 90 minutos, e a direção de Halder Gomes, infelizmente, deixa claro que sim, acredita que isso é o suficiente. E o que vemos é um filme que faz graça, não comédia, que desenvolve um roteiro pensado em amarrar situações cômicas uma após a outra, costurando-as de maneira pouco sutil e envolvente, transformando o filme numa colcha de retalhos ininterrupta, assim diminuindo o impacto do que é visto.

Aliás, de modo geral, o maior problema do filme é a mão pesada da direção de Halder Gomes, que até tenta agregar certas sutilezas no decorrer do filme, mas sai-se muito malsucedido.

Como disse no início do texto, não é correto jogar o trabalho de Gomes no lixo e compará-lo com os diretores limitados das comédias enlatadas. Fica claro que aqui o problema da direção é uma notória ingenuidade do realizador, que até possui boas ideias, mas não sabe como tirar proveito delas. Por isso, quer assegurar que todas elas estarão muito presentes na tela, e de maneira explícita, sublinhadas com efeitos visuais exagerados e uma trilha sonora óbvia, repetitiva e mal colocada.

Como exemplo dessas situações mal explicadas que se repetem no filme, pode-se citar a cena do carro quebrado, que não está quebrado, mas aparece assim só pra mostrar a piada do escorpião com o pneu do carro; a piada do padre com a masturbação; a cena da macaúba e os idiomas; a médica tentando adivinhar o que a mulher tem, só pra poder fazer a piada do martelo no olho; a esdrúxula e forçada relação entre cinema e bíblia; a desnecessária cena do pastor no seu culto; o padre e coroinha simulando uma briga depois do filme, etc.

Ainda pra exemplificar os exageros da direção é possível destacar a incessante repetição de câmera lenta na cena do Toddy; na cena em que o bêbado faz as contas de quantas pessoas saem e voltam pra cidade, quando ele coloca os números e as contas escritas na tela; nas inserções de cenas como quando mostra uma luta de kung fu com aliens; a cena da garrafa que vira uma lâmpada do gênio; o efeito visual do toque das mãos dos garotos; e a entrada do ingresso do cinema na caixa.

Como já disse anteriormente, isso fica ainda mais claro na pouco sutil inserção da trilha sonora, principalmente nos momentos dramáticos, em que acaba destruindo qualquer chance de tornar o que é visto sensível.

As possíveis e, até certo ponto, inevitáveis comparações com Cinema Paradiso (1990) ficam rapidamente pelo caminho pela total falta de complexidade do roteiro. Falas como “é o início da batalha, mas o cinema é forte”, e “enquanto houver vida, haverá cinema”, regadas a uma melosa trilha sonora agregam uma chatíssima pieguice, amplificada de maneira entusiasmada pela direção, como quando vemos a mensagem no final do filme.

E lembram quando disse que Gomes claramente acredita que as situações e os personagens, por si só, já garantem o filme? Isso fica evidente na quase interminável sequência final, onde fica claro que a direção considera aquilo verdadeiramente engraçado, e se apega tanto àquilo, que deixa essa cena ocupar mais de vinte minutos, com enquadramentos (o plano geral mostrando a reação da plateia) e situações que se repetem constantemente, e com a exibição do filme fictício que é muito mal desenvolvido, apelando para um humor de caretas, interferindo de maneira decisiva no já problemático ritmo do longa.

Mas, mas, mas um filme repleto de cearenses não poderia passar em branco, e em vários momentos temos situações verdadeiramente engraçadas proporcionados por esses personagens que representam um povo que tem o humor no DNA.

Ocasiões como quando se referem à mulher do prefeito, como sendo espilicute demais; quando se referem a Pacatuba como a antessala do cu do mundo; na cena em que Francisgleydisson faz o comercial do filme que vai ser exibido, o Tora Pleura, além de inserções extremamente divertidas de personagens como o cego interpretado pelo humorista Falcão (responsável pela melhor piada do filme, quando diz para um garoto, ei, macho, o cabra tá cunhando mesmo ou tá fazendo bilu-bilu?), e também o rapaz que repete incessantemente o que diz (esse aí se garante mesmo, hein? Se garante! Se garante mesmo esse aí, né não? Garante! Garante mesmo…) mostram o potencial que o filme possui, que é algo muito raro de se encontrar no nosso cinema atual, que é humor regional genuíno, e não uma cópia mal caráter de um Zorra Total.

Enfim, espero que tenha ficado bem claro que prefiro mil vezes assistir novamente Cine Holliúdy do que qualquer comédia enlatada da Globo Filmes que fez milhões de espectadores neste ano. E realmente acho benéfico esse sucesso que o filme vem fazendo pelo nordeste, e espero que ele consiga o mesmo êxito por onde passar, pois acredito que este trabalho pode ser o primeiro passo para um maior amadurecimento de Halder Gomes, que se conseguir compreender melhor de que maneira certas sutilezas podem ser aproveitadas, é um nome para se acompanhar mais de perto, pois com este trabalho vemos um diamante bruto, uma rica matéria-prima, mas que ainda precisa de cuidados pra chegar onde merece.

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