Um novo fenômeno parece ter nascido em Hollywood. Não que filmes baseados em obras para o público infantojuvenil ou de jovens adultos sejam novidade. De “O Senhor das Moscas” a “Harry Potter”, há uma infinidade de películas que transportam para a tela o que antes era apenas papel. No entanto, deve se reconhecer que há um denominador comum entre filmes como “As Vantagens de ser Invisível”, “Extraordinário”, “Cidades de Papel” e “A Culpa é das Estrelas”: personagens que andam entre a linha tênue do “carismático, porém falho” e do “espontâneo, porém levemente pasteurizado”. Eis que chega “Com Amor, Simon”, produção que parece finalmente equilibrar todos esses elementos e construir uma trama carregada de sensibilidade.

Dirigido por Greg Berlanti, realizador vindo da TV e com experiência em dramas adolescentes (‘Dawson’s Creek’, ‘Everwood’), “Com Amor, Simon” conta a história de um jovem de 17 anos (o promissor Nick Robinson) que tem tudo: família perfeita, bons amigos e um futuro brilhante pela frente. Simon, porém, esconde ser homossexual. Seu único confidente é outro jovem gay da escola onde estuda. Simon e ele conversam pela internet com identidades escondidas.

Não precisa ser gênio para descobrir que o protagonista vai se apaixonar pelo “pen pal”, mas a simplicidade da trama não é um defeito. A direção de Berlanti e o roteiro da dupla Elizabeth Berger e Isaac Aptaker (com base no livro ‘Simon e a Agenda Homo Sapiens’) se preocupam em dar dinamismo à história. O que se vê é uma produção galgada na internet e celulares, mas (amém!) sem o já clichê SMS/e-mail digitado na tela, escolha que os departamentos de design de produção de filmes “jovens” têm adorado.

Pelo contrário. A opção mais, digamos assim, analógica de acompanharmos o outro lado do computador pelos olhos e imaginação de Simon é intrigante e brinca o tempo todo com pistas jogadas ao espectador. Essa talvez seja a única grande ousadia técnica do filme, que faz um feijão com arroz bem feito em suas quase duas horas de projeção.


“Mudança é exaustiva”

O casting do filme é certeiro: Nick Robinson (‘Jurassic World’) defende o protagonista com muito talento, e tem uma sintonia bonita de ver com os outros atores, principalmente Alexandra Shipp (a Tempestade da nova leva de filmes de ‘X-Men’) e Jennifer Garner, que parece presa ao papel de mãe compreensiva, mas não dizem que “em time que tá ganhando não se mexe”? Outro nome conhecido no elenco é Katherine Langford, revelação no ano passado com a série “13 Reasons Why”, mas que aqui parece ser a única personagem sem tanta função.

Mas o maior mérito do filme vem, na verdade, de seu roteiro. A adaptação é inteligente e não subestima o espectador. Um dos maiores exemplos disso é a preocupação do filme em acentuar que, por mais que Simon seja vítima de preconceito enquanto jovem homossexual em um mundo que pessoas (ainda) morrem por gostarem de pessoas do mesmo sexo, ele ainda é um rapaz privilegiado e até preso a estereótipos.

Trancado em seu quarto descolado – com direito a pôster de Elliott Smith -, Simon tem ainda a ideia de que ser homossexual é ter as paredes tomadas por fotos de divas pop e dançar Whitney Houston como se estivesse em um episódio de “Glee” (pensamento representado em uma cena divertida e que escancara esses conceitos do jovem).

No entanto, o momento em que o privilégio de Simon é realmente evidenciado chega em uma onde vemos o relato de outro rapaz gay da escola de Simon. O jovem negro e com um estilo/cabelo/roupas fora do que o “padrão” determina para homens é o contraste que a história precisa para que Simon perceba que seu discurso sobre “a vida perfeita” era mais da boca pra fora e que só ali, junto ao colega, ele realmente entenda o poder da empatia.

Curiosamente, o filme chega em uma época em que Hollywood parece ter acordado para os escândalos de abuso sexual e para o fato de que essa é uma indústria racista e nada inclusiva. E, por mais que o filme tenha como foco uma família branca de classe média alta, há uma grande presença de atores negros. Não é o ideal (ainda temos uma personagem feminina vivendo o trope da ‘black sassy woman’), mas, depois de tanto tempo assistindo filmes exclusivamente brancos, dá para sentir que a indústria está mudando (a passos de tartaruga, há de se reconhecer).

Talvez seja injusto comparar “Com Amor, Simon” a outros filmes adolescentes dos últimos anos, como fiz no primeiro parágrafo desta crítica. A verdade é que o filme de Greg Berlanti está em uma classe por si só quando o assunto é adaptação de livros YA (‘jovens adultos’). O que se vê na tela é um trabalho sensível, que diverte o espectador sem precisar de subterfúgios apelativos. A cada mensagem nova e à medida em que Simon passa pelo processo de auto descoberta, o espectador também se descobre um pouquinho na tela. E isso é um ingrediente fundamental.