Novo cinema de rua do centro de Manaus, o Cine Casarão teve uma sessão de estreia para convidados e imprensa na manhã desta segunda-feira (23) no Casarão de Ideias, localizado na rua Barroso. A atriz Leandra Leal apresentou o primeiro documentário dirigido por ela, “Divinas Divas”, ao lado da equipe do espetáculo “Rival Rebolado”.

Em entrevista coletiva para a imprensa local, Leandra Leal afirmou que salas de cinema como o Cine Casarão são fundamentais para a circulação de filmes brasileiros. “Inaugurar uma sala de arte é muito importante. É muito difícil lançar um filme, especialmente, um documentário sobre um tema com muito tabu e preconceito em cima dele, apesar da relevância histórica e artística das personagens. Furar este espaço dos blockbusters só acontece por salas como essas. Que Manaus receba bem este espaço, permitindo a sustentabilidade da sala. Não basta só postar, divulgar, tem que vir”, declarou.

“Divinas Divas” será exibido no Cine Casarão na sexta-feira (20h30) e sábado (18h30). O documentário mostra a primeira geração de artistas travestis do Brasil: Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios formaram, na década de 1970, o grupo que testemunhou o auge de uma Cinelândia 02 repleta de cinemas e teatros.


Sociedade careta

Perguntada pelo Cine Set sobre o momento atual do setor cultural alvo de críticas por movimentos mais radicais nas redes sociais, Leandra Leal declarou que a melhor forma de responder é através da própria arte. “Acho que estamos em um momento muito delicado e, de uma minoria fazendo uma cruzada contra a expressão e a liberdade artística. Não acredito que seja uma maioria e sim uma minoria. Seguir trabalhando seja na atuação, direção ou produção é a forma de lutar contra isso e não se acomodar”, afirmou. A diretora de “Divinas Divas” revelou que se preocupa em não desvalorizar quem a critica para também não cair na polarização tão comum no Brasil atual.

Para Leandra Leal, há outros objetivos por trás das atuais críticas aos artistas no Brasil. “Estou atenta e com o meu trabalho procuro mostrar que a criminalização do fazer artístico serve a outros interesses. Isso desvia o foco de questões mais pertinentes do que estamos fazendo hoje em dia. Que as pessoas escolham o que elas queiram ver. O grande barato da vida é o convívio e a celebração desta diversidade de todas as formas, incluindo, a de opiniões. Que a gente tenha um show gospel e o Rival Rebolado”.

Neste cenário complicado de intolerância e polarização extrema, a estrela de sucessos como “O Homem que Copiava” e “Bingo – O Rei das Manhãs” considera que o Brasil está mais conservador. “A palavra travesti é de origem francesa e chegou ao Brasil nos anos 1950. Isso virou uma grande curiosidade, esta palavra tinha menos carga, menos preconceito. Nas décadas de 1960 e 1970, artistas como as ‘Divinas Divas’ eram mais aceitas do que hoje quando estão relegadas a um nicho. A gente vive em um país machista, homofóbico, racista que mais mata LGBTs no mundo inteiro. Na verdade, somos um país muito intolerante e assumir esta condição hoje é mais importante do que valorizar o carnaval. Como que a gente que tem o carnaval e é tudo isso? Essa é uma contradição grande do país. Precisamos encarar este problema”, avalia.


‘Não revi o filme após a morte de Rogéria’

“Divinas Divas” não apenas mostra a história das grandes artistas, mas, também de como Leandra Leal cresceu neste cenário de diversidade e com o meio artístico trazido pelo avó Américo Leal e a mãe Ângela Leal. Segundo ela, o documentário é um filme de fã. Por isso, a morte de Marquesa e Rogéria mexeram demais com ela.

“Logo depois de finalizar o filme, a Marquesa faleceu. Ali, eu percebi que o documentário também tinha esse valor de documento histórico, como registro da luta da liberdade individual no Brasil. Com a Rogéria, pessoalmente, eu tive um contato muito intenso desde sempre. Para mim, foi uma perda muito grande. Eu não consegui ainda ver o filme depois que ela morreu”, afirmou.

Fazer o filme, entretanto, não foi fácil. Leandra Leal revelou que ouviu muitos não para o financiamento. “Recebemos vários não por dois temas tabus: a questão de identidade de gênero e o envelhecimento. Acho até este segundo aspecto o mais difícil pela ilusão de acreditarmos ser um país de jovens e muita gente de departamentos de marketing chegava para mim e perguntava porque falar de travestis velhos. Infelizmente, há ainda esse lugar-comum do travesti novo, da beleza, do aspecto sexual”, disse.

A diretora acabou bancando boa parte do longa e ainda contou com um crowdfunding de R$ 150 mil. “Isso fez com que a gente não se sentisse tão sozinho e ter uma noção de quanta gente queria ver esse projeto sair do papel. Os apoiadores ajudaram demais na divulgação. Sempre agradeço a eles”, completou.


Cine Casarão: vendas de ingressos aberta

Quem quiser garantir os ingressos para as primeiras sessões do Cine Casarão, já pode comprar na sede do Casarão de Ideias. As entradas custam de R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada). Decorada com fotos de cinemas antigos de Manaus, o espaço conta com 30 lugares. A compra poderá ser feita no dinheiro e no cartão. O cinema não possui assentos marcados.

Veja a programação completa da primeira semana do Cine Casarão:

Quarta-Feira (25/10)

18h30 – Fala Comigo (inédito em Manaus)
20h30 – Pendular (inédito em Manaus)

Quinta-Feira (26/10)

18h30 – Pendular
20h30 – Fala Comigo

Sexta-Feira (27/10)

18h30 – Corpo Elétrico
20h30 – Divinas Divas (inédito em Manaus)

Sábado (28/10)

18h30 – Divinas Divas
20h30 – Corpo Elétrico