Certos filmes são mais importantes para história do cinema do que necessariamente bons como um todo. “O Cantor de Jazz” (1927), por exemplo, passa longe de ser um musical memorável, mas, está eternizado como a primeira produção falada da história. Já “Carlota Joaquina” (1995) simbolizou a Retomada do cinema brasileiro após a extinção da Embrafilme pelo governo Collor, porém, não chega aos pés, por exemplo, de “Central do Brasil” (1999).
Guardada todas as devidas proporções, “A Última Balada de El Manchez” também entra para este tipo de filme. A animação dirigida e roteirizada por Leonardo Mancini não chega a envolver totalmente o espectador ao longo dos 17 minutos de duração, porém, representa um salto significativo para o setor no Amazonas.
Durante estes últimos 15 anos em que o cinema amazonense conseguiu feitos nunca antes alcançados – três longas-metragens feitos em uma única década por um diretor e uma equipe local é, sem dúvida, a maior conquista. O setor da animação, entretanto, não entrou na mesma onda: os curtas “E Agora, o que Nóis Râmu Comê”, de Daniel Luiz Batista, e “Paris dos Trópicos”, de Keurem Maia Marçal, ambos selecionados, respectivamente, para o Amazonas Film Festival de 2010 e 2012, foram exceções assim como a série “Índio Presente”, da Cambará Filmes, aprovada no edital de TVs Públicas.
Por isso, a chegada de “A Última Balada de El Manchez” acaba por ser tão relevante. Trata-se do projeto recente mais ousado em animação já feito no Amazonas tanto pela duração da obra quanto na complexidade de criação de cenários, figurinos e ação dos personagens. A produção mostra um mexicano tentando atravessar ilegalmente a fronteira dos EUA, mas, uma proposta tentadora, acabou levando-o por outro caminho.
Mesmo com limitações evidentes – a pouca movimentação nos planos, os cenários quase sempre estáticos ao fundo dos personagens – a obra cria momentos fascinantes em que se admira a beleza e criatividade da construção daquele universo, especialmente, na parte final do filme em todo o processo de transformação do protagonista e a viagem cósmica.
Este cuidado técnico se estende também à trilha sonora e ao trabalho de mixagem de som, ambos fundamentais para a criação da atmosfera do curta. Conhecido por ser a voz de Darth Vader no Brasil, Silvio Navas brilha também como o protagonista ao dar uma potência solene e trágica àquela figura melancólica de destino triste.
ROTEIRO E MONTAGEM PROBLEMÁTICOS
Por tudo isso, é uma pena que o roteiro e a montagem não estejam à altura desta excelência técnica. O ritmo arrastado para uma trama que pede agilidade tira a emoção de “A Última Balada de El Manchez”. Tudo transcorre da mesma forma do início ao fim, o que impede que os momentos mais fortes da história ganhem a força desejada.
“A Última Balada de El Manchez” ainda falha ao não permitir que nos envolvamos com o drama do protagonista. Se a luta por uma vida melhor é algo intrinsecamente humano, falta à obra entender naquele protagonista quem ele é, quais os seus desejos e particularidades. Por isso, a decisão que ele precisa fazer no meio do filme entre dois caminhos passa longe de ter o impacto pretendido.
Esta falta de emoção se quebra em apenas um único momento de poucos segundos: não querendo ver o pai ir embora novamente, o filho tenta impedi-lo, mas, acaba segurado pela mãe na porta de casa. Um pouco mais disso teria feito o curta mais forte. “A Última Balada de El Manchez” ainda resvala no perigo do estereótipo em muitos momentos graças ao roteiro sem capacidade de aprofundar os temas e à própria concepção visual pela caracterização de bigodão e o sombrero maior que a cabeça.
De qualquer maneira, Leonardo Mancini demonstra, mais uma vez, o ecletismo característico e a veia cinéfila. Para quem não o conhece, o realizador já comandou uma comédia de humor negro com zumbi (“Morto-Vivo”, premiado no Amazonas Film Festival 2011 em três categorias), uma homenagem ao cinema mudo (“A Doce Dama” também vencedor do AFF) e foi protagonista de uma ode ao cinema pop (“Et Set Era”). Aqui, as referências vão desde os longas de gangsteres passando por “2001 – Uma Odisseia no Espaço” até, claro, “El Mariachi”, de Robert Rodriguez.
Não duvido muita gente virar a cara para “A Última Balada de El Manchez” por não ter elementos amazônicos nem fazer referências à região ou até mesmo ser falado em portunhol. Isso não diminui em nada as qualidades do filme e não o torna mais ou menos do Amazonas. Demonstra, na verdade, o potencial da animação em permitir aos seus realizadores explorar novos caminhos, narrativas, temáticas e universos.
Que venham mais!