Alguns cineastas querem que os espectadores não apenas assistam aos seus filmes, mas que os sintam… Alguns querem deixar o público chacoalhado ou, ao menos, abalado ao final da sessão, pois certos diretores aparentemente não conhecem o conceito de “zona de conforto”. O argentino Gaspar Noé é um deles: pode-se até não gostar de seus filmes, mas ninguém sai indiferente a eles.

Clímax, seu novo trabalho, é outra provocação: ao mesmo tempo uma celebração da juventude, da vida e do tesão; e uma ode à morte. Assim como em Irreversível (2002), Enter the Void (2009) e Love (2015), é outra obra nada fácil e que convida à polêmica – você pode achá-la incrível ou incrivelmente ruim. Mas uma coisa é certa: é um filme difícil de ignorar ou esquecer. E para quem embarcar no clima, pode ser uma experiência interessante.

Clímax é dividido em duas metades: na primeira, vemos os jovens alunos de uma escola de dança ensaiando e se divertindo numa festa em um prédio isolado. Eles dançam empolgadamente, conversam sobre sexo – “quem pega quem”, os caras falam grosserias sobre as garotas, etc. Eles dançam mais um pouco e o filme acaba – literalmente, pois os créditos do elenco e da produção surgem no meio da projeção. Então, tem início a segunda metade, quando eles começam a perceber algo estranho: a bebida que todos consumiram na festa foi “batizada” com LSD, e aos poucos todos sucumbem à loucura e até atos de violência. A atmosfera empolgante e sensual do início dá lugar a um clima de filme de terror, com o cenário se tornando cada vez mais opressivo e tenso. O espectador também se sente drogado. Mas, ainda assim, a segunda metade também é bastante sensual… O filme é (muito levemente) inspirado num caso real.

100% NOÉ

No início da primeira metade, no entanto, vemos um prólogo, com os alunos da escola de dança falando sobre eles mesmos, direto para a câmera, como num documentário. Essas “entrevistas” estão passando numa TV, circundada por pilhas de livros e caixas de filmes em VHS – dá para observar as capas de Suspiria (1977) de Dario Argento, e Possessão (1981), de Andrzej Zulawski, o que dá algumas dicas para o espectador mais versado em cinema estranho sobre as pretensões de Noé. A protagonista do filme, vivida pela única atriz conhecida do elenco, a sempre interessante Sofia Boutella, em dado momento de Clímax tem o seu momento de piração “à la Isabelle Adjani”, quando Noé resolve referenciar o filme de Zulawski.

Mas, apesar dessas referências pontuais, é um filme 100% Gaspar Noé. Tirando esses trechos mais documentais – nos quais se incluem também cenas de conversas entre os personagens depois do primeiro número de dança – a câmera de Noé não para. O número de dança inicial é filmado inteiramente sem cortes, assim como a segunda parte, filmada em grande parte num plano-sequência infernal no qual acompanhamos vários personagens sofrendo com suas alucinações. Um ponto de vista do alto também é frequente, o que aumenta o clima de tensão – o ponto de vista de “deus” observando os mortais prestes a se destruir. Em dado momento, a câmera (e o mundo) ficam de cabeça para baixo. Os corpos humanos se contorcem estranhamente. É como uma viagem ao inferno, uma experiência de quase morte em forma de filme.

Mesmo assim, depois de tudo isso, temos uma sensação de… Uma experiência válida? Espectadores mais cínicos podem ver Clímax como um forte anúncio “diga não às drogas”, mas a intenção de Gaspar Noé é mais ampla e peculiar do que fazer propaganda. Ao final de Clímax, o diretor acha um pouco de beleza no caos, na destruição e na morte.  Seu filme abraça esses aspectos, nem julga ou condena os jovens, por mais que eles percam suas mentes.

É essa visão que torna o filme especial: por mais que se possa argumentar contra o filme, até com certa razão, não é todo dia que se encontra uma obra tão sensorial, uma montanha-russa tão interessada nos altos e nos abismos (muito fundos) da vida. Em Clímax, a destruição e a morte são mais chocantes por andarem de mãos dadas com a vida – afinal, a transição entre elas é rápida, só leva o tempo dos créditos passarem na tela.