Parece que Frozen é mesmo o novo Shrek. A animação da Disney, que resgatou os contos de fadas à moda antiga, sem ironia, é a nova referência para longas do gênero. O visual fofo, voltado ao público feminino, e a trama bem azeitada, que atualiza as narrativas de clássicos do estúdio, compõem a receita que as rivais tentam agora copiar, da mesma maneira que o ogro da DreamWorks ditou uma década inteira de animações ácidas e voltadas à desconstrução de gêneros.

Um dos primeiros filmes a assumir explicitamente a influência das aventuras de Anna e Elsa é este O Pequeno Príncipe, que estreou na última semana nos cinemas brasileiros. Influência, no caso, é comedimento: Frozen paira como uma sombra sobre o trabalho de Mark Osborne, codiretor da série Kung-Fu Panda e responsável por esta produção franco-americana. E o que era para ser a reedição do clássico romance infantil de Antoine de Saint-Exupéry, lançado originalmente em 1943, acaba resultando num híbrido confuso e insatisfatório, que não agrada nem aos fãs do livro nem às crianças cativadas pelo reino gelado.

No intuito de apresentar a obra ao público atual, Osborne e equipe acharam melhor não se ater totalmente à história de Saint-Exupéry. Uma decisão estranha, e que acaba enfraquecendo o resultado final, derrubando inclusive as belíssimas cenas em stop-motion onde se reencena o livro. A impressão que fica é a de um curta lindamente trabalhado (as sequências tiradas do romance) soterrado por outro filme, este apenas mediano.

Uma garota, nunca identificada por um nome (nenhum dos personagens da trama “atual” tem, só os saídos do livro), estuda com afinco para entrar na prestigiada Werth Academy, cujo mote é formar pessoas “essenciais” para o futuro. A fim de garantir o sucesso acadêmico da menina, a Mãe traça um plano detalhado de horários e rotinas que ela deverá cumprir pelos próximos dias, meses e até anos. A princípio conformada, a garota tem a atenção atraída pelo misterioso morador da casa ao lado, um idoso divertido e meio louco que já foi aviador e viveu um episódio que mudou sua vida para sempre: o encontro com o Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, num momento particularmente desesperador no deserto do Saara. É através dele que a Menina entra em contato com a bela trama do autor francês, ilustrada por cenas deslumbrantes em stop-motion, que quebram o visual meio genérico da animação digital. O contato com as histórias servirá para ensinar à menina valores como a necessidade de amigos, brincadeiras e sonhos, e a desconfiança permanente das noções de produzir e enriquecer a qualquer custo dos adultos.

São belas mensagens, de fato, e a ideia de Osborne é válida, mas a execução compromete as intenções. As inserções do livro na história nem sempre são naturais, e o fato de os personagens, à exceção da Menina, servirem apenas de escada e contraponto às sequências do romance, acaba tornando-os facilmente esquecíveis. Pior, as direções que o roteiro toma mais pro final são incompreensíveis, como se a necessidade de alcançar um público grande obrigasse Osborne & turma a inserir sequências agitadas de ação e um vilão bem chinfrim, que fogem ao tom do início e tornam a mensagem pretendida desnecessariamente estridente e didática.

De novo, parece que o sucesso esmagador da animação da Disney determinou o destino desta bem-intencionada, mas frustrante incursão pelo universo de um dos livros mais queridos das últimas décadas. Diante das belíssimas cenas entre o Príncipe e a Raposa, que versam sobre o valor da amizade e o consolo da memória, fica ainda mais triste perceber como pressões comerciais fizeram de um filme que combate essas mesmas imposturas sendo tão pouco memorável e cativante. Lamentavelmente, não foi dessa vez.