“Sob o Mesmo Céu” tem uma personagem, Capitã Ng, que se vê repetidamente tendo que explicar sua herança miscigenada e, ainda que desejemos ardentemente traçar um paralelo entre Cameron Crowe e o protagonista interpretado por Bradley Cooper, a atitude da militar vivida por Emma Stone deixa entrever mais daquele “a arte imita a vida” do que seria confortável para o diretor.

É esse Cameron Crowe que domina esta nova comédia romântica que pede, na verdade, implora, para cair nas graças da galera dos trinta anos que teve pelo menos um grande amor não resolvido na adolescência. É difícil vislumbrar traços do cara que fez “Quase Famosos” (2000) aqui, mas está longe de ser a primeira vez que isso acontece e estou longe de ser o primeiro a notar isso.

A pasteurizada trama é sobre Brian Gilcrest (Cooper), que volta à sua terra natal, o Havaí, para uma nova missão militar que lhe dará a chance de consertar um grande erro do passado. Ele tem a chance de rever uma antiga namorada (Rachel McAdams), agora casada com um piloto (John Krasinski), o que obviamente mexe com ele. Ele também se familiariza com a mencionada Capitã Ng (Stone), que é sua parceira oficial na missão.

A questão de descendência de Ng é uma piada recorrente, ou uma tentativa, e é aí que o paralelo com Crowe vinga: a sensação é a de que ele construiu um filme que não funciona por si só e que precisa ser explicado por alguém que tenha participado do processo criativo. Mesmo com a mais basilar das histórias, o diretor consegue o verdadeiro feito de criar um filme que não funciona como um todo: blocos narrativos se perfilam como se sem a devida quantidade de cimento para uni-los, o que coloca o filme numa posição extremamente vulnerável.

Segurando as pontas, temos uma trilha sensacional composta pelo duo Jónsi & Alex, que traz um charme eletroacústico que serve como contraponto à tradicional música havaiana que povoa o longa.

Além disso, “Sob o Mesmo Céu” conta com um elenco estelar que deus sabe como foi atraído para esse projeto. Bradley Cooper consegue levar o protagonista sem esforço algum basicamente pela falta de um conflito à altura de seu talento. Rachel McAdams também, até por familiaridade com o material (mais info: ver “O Diário de uma Paixão”). Temos pontas ilustres como o inigualável Bill Murray, e Alec Baldwin fazendo o durão descompensado e canastrão que todos conhecemos e confiamos.

Emma Stone está ótima no papel da capitã, confirmando seu poderio cômico (se é que era preciso) mesmo em um filme onde a maioria das piadas não funciona e mesmo com sua escalação sendo muito criticada por ser vista como o epítome de um roteiro que retira os havaianos de uma história que se passa no Havaí.

Considerando que a maioria da ação se dá entre americanos, em uma base americana, faz sentido não vermos tantos havaianos assim, sinceramente. Os que vemos são interpretados por atores locais e tratados com respeito na história, algo defendido por Crowe em entrevistas e do qual partilho.

Alhures, essa é uma problemática que surgiu em grau muito menor na mídia quando do lançamento de “Os Descendentes” (2011), de Alexander Payne, e o problema de “branqueamento” do elenco era muito mais sério naquele filme, do que só resta crer que boa parte da reação ruim veio da vontade de atacar Crowe, coisa que a imprensa especializada tem de sobra desde, pelo menos, “Tudo Acontece em Elizabethtown” (2005).

Enquanto estas acusações possam ser discutidas, o fato é que o diretor está preso em uma fórmula desgastada há algum tempo e só consegue momentos singelamente geniais em pequenas doses (uma importante cena entre os personagens de Cooper e Krasinski é impagável, por exemplo).

Problemático e insatisfatório, “Sob o Mesmo Céu” pode tornar Cameron Crowe um M. Night Shyamalan das comédias românticas em termos de carreira, e não vai ter personagem engraçadinha que dê jeito nisso.