Nada é mais revelador da natureza da segunda temporada da série True Detective do que as várias cenas ambientadas no bar onde os personagens ocasionalmente travam conversas importantes. Em vários momentos da temporada, os personagens vividos pelos atores Colin Farrell, Vince Vaughn e Rachel McAdams conversam nesse bar, constantemente mal iluminado, com clima soturno e ao som de alguma canção sombria cantada pela moça com violão no palco – vamos chamá-la de Triste Cantora.

É de se admirar como esse bar continua em funcionamento. Não parece haver muitos fregueses dispostos a frequentar um lugar tão estranho e ouvir músicas tão depressivas como aquelas cantadas pela Triste Cantora. Chega a parecer uma homenagem da série ao clima onírico dos trabalhos de David Lynch – e Nic Pizzolatto, criador do seriado, é fã dos filmes do diretor e reconhece a sua influência.

Trata-se de um lugar que só pode existir na ficção – melhor ainda, nas pulp fictions, as velhas histórias policiais e detetivescas que serviram de inspiração para Pizzolatto. A primeira temporada foi um grande sucesso para a HBO em 2014 e representou o marco definitivo do retorno do formato de antologia: cada temporada de True Detective conta uma nova história, com começo, meio e fim, e é estrelada por um novo elenco. Neste segundo ano, que chegou cercado de expectativas, saem de cena os inesquecíveis detetives interpretados por Woody Harrelson e Matthew McConaughey, e entram os novos personagens vividos por Farrell, Vaughn e McAdams, além de Taylor Kitsch e Kelly Reilly.

Se a primeira temporada ocasionalmente lembrava Coração Satânico (1987) e Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), misturados com uma dose de terror lovecraftiano e teorias filosóficas, esta segunda tem uma inspiração mais certeira: esta temporada é o Chinatown (1974) de Pizzolatto, com sua trama que envolve terras, construção urbana e perversões sexuais.

Tudo começa com o estranho assassinato do influente Ben Caspere. O oficial do município corrupto (fictício) de Vinci, nas cercanias da grande Los Angeles, é encontrado morto, com os olhos queimados e sem a genitália, explodida por um tiro de escopeta. Sua morte deixa na pior o gângster Frank Semyon (Vaughn), que apostou seu futuro num grande negócio envolvendo o falecido e da noite para o dia se vê perdendo dinheiro. Essa morte também reúne os três atormentados policiais que investigarão o caso e são apresentados no primeiro episódio. O detetive Ray Velcoro (Farrell) é alcóolatra, drogado e informante de Semyon, e luta para criar um filho que pode ou não ser dele. Paul Woodrugh (Kitsch) é um patrulheiro estilo CHIPs (lembram-se da velha série?) que esconde segredos relativos ao seu serviço no Afeganistão. E Ani Bezzerides (McAdams) é uma policial durona e sem papas na língua, com uma complicada história familiar.

Rachel McAdams em cena de True Detective

No fim das contas, uma série vive ou morre graças aos seus personagens, e as figuras criadas por Pizzolatto para conduzir a temporada nunca chegam a envolver o espectador. Seus dramas pessoais se intercalam com a investigação e são prejudicados pela condução equivocada. No primeiro episódio, por exemplo, Ani descobre sua própria irmã numa batida antiprostituição (coincidências são sempre marca registrada de roteiros meia-boca) e as duas começam a ter uma conversa absolutamente artificial sobre suas trajetórias.

Este é apenas o primeiro exemplo da total falta de sutileza e das apelações do roteiro. Mais tarde, as cenas envolvendo Paul – de longe o personagem menos desenvolvido e interessante – e sua mãe, interpretada por Lolita Davidovich, trazem atuações constrangedoras de ambos os atores. Vaughn, saindo da sua zona de conforto cômica, também falha em fazer de Semyon uma figura realmente marcante e imponente, e suas interações com Kelly Reilly, que vive sua esposa (um papel no qual a atriz realmente não tem o que fazer), ficam cada vez mais desinteressantes.

Porém, os atores não são o verdadeiro problema desta temporada. Eles apenas estão limitados pelo roteiro e pela direção. Os dois primeiros episódios, que estabelecem o tom, ficaram a cargo de Justin Lin, da franquia Velozes e Furiosos. Em termos de direção, muitos momentos que deveriam ser sérios acabam resultando em confusão ou apatia, como o bizarro e caótico tiroteio que encerra o quarto episódio, filmado de forma canhestra e confusa.

Já quanto aos roteiros, Pizzolatto este ano recorreu a algumas colaborações ocasionais – enquanto na primeira temporada, escreveu sozinho todos os roteiros. Mesmo assim, a série reflete a sua visão, e o autor se mostra ora pretensioso, ora engessado. O roteirista e produtor parece apaixonado demais pelos próprios diálogos, embora frequentemente eles soem cafonas: é impossível não rir quando um dos associados de Semyon descreve outro gângster como alguém “metade anaconda, metade tubarão branco”, ou quando a personagem de Reilly solta, sem motivo, a frase “todo mundo é tocado”, ou ainda quando Woodrugh se surpreende ao descobrir “contratos… com assinaturas por todo lado” (Mesmo? O que será que ele esperava achar em contratos?). Pizolatto é quem exagera a mão no clima opressivo, tanto que seus personagens só conseguem parecer mais humanos e interagir uns com os outros nos episódios finais, mas aí já é tarde para fazer com que o espectador se importe. Justiça seja feita, os dois últimos episódios são um pouco mais sólidos e menos problemáticos, mas não conseguem redimir os percalços dos anteriores.

E se os personagens não empolgam, a trama é elíptica e confusa, como as imagens das estradas californianas que surgem nos episódios. Os diversos elementos oferecidos por Pizzolatto – a conspiração, as intrigas sexuais, os diamantes, a corrupção quase generalizada – fazem parte de qualquer história noir ou de detetive que se preze, porém aqui são apresentadas de forma exageradamente séria e sombria. Uma seriedade e uma escuridão que parecem afetadas e não merecidas, tal como as cenas no bar, ao som da música deprê da Triste Cantora. Na tentativa de repetir o clima tenso e sombrio da temporada anterior, os produtores de True Detective acabam cometendo o erro de exagerar na dose, e a série começa a se tornar quase uma paródia de si mesma.

Vince Vaughn em cena de True Detective

Para manter a analogia musical, é como se Nic Pizolatto sofresse da “maldição do segundo disco”. É complicado para muitas bandas e artistas repetirem o sucesso do seu primeiro trabalho, e o mesmo parece acontecer em True Detective – e agora se tornam mais óbvias as contribuições de Harrelson, McConaughey e do diretor Cary Fukunaga para o sucesso daquela primeira temporada. Mas em se tratando de antologias, cada ano é um novo dia. Em 2016, True Detective recomeça do zero com uma nova trama e novos personagens. Espera-se que a série retorne com personagens realmente cativantes e que não se torne prisioneira das suas próprias afetações.