Há sempre aqueles filmes que emitem dor sem precisar expressá-la em palavras e um dos subgêneros que faz isso de forma eficaz é o drama de guerra. Em “Uma Mulher Alta”, Kantemir Balagov desperta essa comoção ao fazer um recorte específico e pouco explorado sobre os efeitos da Segunda Guerra Mundial sob as mulheres.
Inspirado na obra de Svetlana Aleksiévitc, ”A Guerra Não Tem Rosto de Mulher”, a trama discute a dor e os traumas ocasionados pelo front tendo como referência o relacionamento complexo entre duas amigas: Ilya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina). Ambas são ex-combatentes e tem que lidar com a reinserção na sociedade russa pós-guerra. Primeiramente, somos apresentados a Ilya, que é justamente a mulher a quem o título se refere. Apelidada de Dylda, por sua estatura, ela trabalha em um hospital de soldados e cria o pequeno Pashka (Timofey Glazkov) em um apartamento compartilhado antigo, frio e lotado.
“Uma Mulher Alta” abre com um close petrificado de seu rosto e logo percebemos que Ilya sofre de ataques recorrentes de paralisia e que todos ao seu redor já se acostumaram com essa condição. Calada e desajeitada, sua rotina sofre duas grandes interrupções que norteiam a trama. Em contraponto a ela, está sua amiga Masha. A diferença entre as duas é sempre muito bem delimitada pela composição das personagens, destacando-se o contraste entre o verde e vermelho que as personificam e o espaço de tela que cabe a elas, parte disso se deve ao 1,82m de altura de Miroshnichenko.
Enquanto mal ouvimos a voz de Ilya, Masha é o oposto: falante, curiosa, inquieta e vívida. No entanto, todos esses fatores parecem camuflar as dores que o front lhe causou. Há uma perturbação psicológica em torno da personagem que transparece em seu olhar e fica mais evidente à medida em que acompanhamos sua obsessão em gerar uma criança.
Uma relação bélica
Neste aspecto, a relação entre as duas mulheres se adensa, pois Masha usa suas angústias veladas para chantagear amiga. Tal ação, no entanto, não traz um tom maniqueísta a produção nem tampouco a torna um melodrama. Ao contrário, seu efeito é gerar humanidade nas personagens, afinal estas tomam decisões calcadas em suas perdas e anseios modificados por uma realidade incerta.
Balagov conduz essa relação de forma magistral. Não há heroínas, mocinhas e vilões, há simplesmente pessoas ocupadas em tentar seguir a sua vida. E nessa reconstrução, enquanto algumas querem reencontrar seu papel social, outras estão em busca de alimentar os desejos do coração e restabelecer sua vida romântica após o conflito bélico. Dessa forma, o próprio convívio entre as duas sobreviventes é uma guerra com cores, cheiros, elipses e sentimentos conflituosos.
Não é a toa que Ilya, aquela que busca entender o seu papel na conjectura russa, é representada pelo verde até o momento em que a intensidade dos desejos colorados de Masha a dominam. O design de produção reflete essa combinação na cenografia e no figurino e nos mostra, também, quem é a grande vencedora desse duelo em que a dor deixa vestígios de desumanidade onde passa.
Nessa batalha, o lugar mais privilegiado, no entanto, é o do espectador, que imerge em uma experiência densa e em certos momentos, desagradável. Longe de mostrar quem está certo ou errado, a prioridade de Balagov e sua equipe é dar visibilidade às mulheres que também estiveram no campo de batalha, mas que sempre são minorias em filmes de guerra. E eles fazem isso de forma sensível emocionalmente e esteticamente lindo, destacando que “Uma Mulher Alta” é sobre trauma e também sobre amizade e sobrevivência.