Manaus será vista nas telas de Portugal: o curta-metragem amazonense “De Costas Pro Rio”, está selecionado para 24º Festival de Cinema de Avanca. A exibição do filme de Felipe Aufiero, diretor manauara e radicado em Curitiba desde 2009, acontece nesta quarta-feira (22) dentro da mostra competitiva para cineastas com menos de 30 anos de idade. 

Drama com elementos de realismo fantástico, “De Costas Pro Rio” acompanha Pietro (Victor Kaleb) retornando para Manaus após o contato de um espírito da floresta. Ele deve evitar que a cidade seja destruída por uma Cobra Grande que dorme nos subterrâneos da região.  

No melhor estilo de cinema de guerrilha, “De Costas Pro Rio” foi feito sem financiamento de editais em apenas cinco dias de gravação no mês de maio de 2018. “Foram dois dias apenas captando imagens do Centro de Manaus. Um dia de entrevistas com as pessoas para que contassem histórias antigas da cidade e, depois, as cenas ficcionais. Gravamos no Aeroporto Eduardo Gomes, em um condomínio fechado na Ponta Negra e, por fim, na casa da minha avó na Aparecida”, recordou o diretor em entrevista ao Cine Set. 

DE FORA PARA DENTRO 

Aufiero deixou Manaus rumo a Curitiba para fazer o curso de Cinema e Vídeo na Universidade do Estado do Paraná (Unespar) há 11 anos. Na época, apesar do Amazonas Film Festival ganhar cada vez mais destaque no Brasil e exterior, um curso semelhante em Manaus ainda era um sonho – algo concretizado apenas em 2013, mas, que teve somente duas turmas. 

A capital amazonense, entretanto, não saiu da vida de Aufiero, vindo sempre para passar férias e rever amigos e familiares. Neste processo, o desejo de voltar para gravar um filme começou a ficar mais forte. “Sempre me chamou muito a atenção o fato de uma certa rejeição por parte da própria população com o que é natural da terra. Tudo que é indígena, amazônico é mal visto. Isso aparece quando a cidade se vangloria de ter prédios históricos no estilo europeu como o Teatro Amazonas até a questão urbanística de não ter quase árvores, a natureza ser bastante apagada. Me incomodava bastante”, declarou. 

Perguntado se via em Pietro, protagonista do curta, um pouco de si próprio, Aufiero admite que sim. “Mesmo que abordado de maneira sutil no filme, o personagem vem de uma família italiana como eu, além desta questão de ser daqui e estar fora. Claro que não tenho pretensão de salvar a cidade, mas, é uma maneira de contribuir com Manaus”. 

DESCOBRINDO O AUDIOVISUAL AMAZONENSE 

Neste período em Curitiba, Aufiero fundou a produtora ‘Casa Livre Produções’ ao lado dos amigos Carlos Macagi e Joel Schoenrock, além de já ter gravado dois curtas-metragens (“À Espera”, de 2014, e “Pulso”, de 2016). Com a ideia de voltar a Manaus para fazer “De Costas Pro Rio”, ele resolveu pesquisar mais sobre a produção audiovisual amazonense com o intuito de saber quais temáticas estavam sendo abordadas nos filmes locais e possíveis parceiros para a empreitada. 

“A única pessoa que conhecia antes de fazer o filme era o Matheus Mota (“Folhas Brancas”). Comecei a estudar o cinema amazonense, vi bastante coisa. Usei, inclusive, o Cine Set como fonte de pesquisa. Fui vendo o que tinha no YouTube. Queria entender a linguagem, os filmes, saber como estava a cena local para não chegar com postura arrogante de quem quer chegar para ensinar, uma postura de colonizador”, disse. 

Desta forma, Aufiero foi montando a equipe técnica de “De Costas Pro Rio”. Além de Matheus Mota na direção de arte e figurino, a produção conta com César Nogueira (Purãga Pesika) na direção de fotografia, Lucas Maciel e Samara Souza no Som Direto. Nomes conhecidos do teatro local como Dimas Mendonça (“A Goteira”) e Koia Refskalefsky fazem parte do elenco assim como o protagonista dos dois últimos filmes de Sérgio Andrade, Anderson Kary Báya (“Antes o Tempo Não Acabava” e “A Terra Negra dos Kawa”) e Victor Kaleb, protagonista de curtas como “Os Monstros” e “Sons do Igarapé” (filme em que também é o diretor).  

Quanto à revisão dos filmes amazonenses, Aufiero destacou a qualidade técnica da imagem e a criatividade de realizadores como Sérgio Andrade e a equipe da Artrupe Produções (“Aquela Estrada”, “Obeso Mórbido”). “Percebi também que, alguns filmes, tentavam emular o tamanho da narrativa de um longa em um curta-metragem de 15 a 20 minutos. Isso, claro, não é uma questão particular do cinema amazonense; acontece aqui também em Curitiba”, disse. 

FESTIVAIS E LANÇAMENTOS 

“De Costas Pro Rio” ficou pronto em dezembro de 2019, porém, a pandemia da COVID-19 e, consequentemente, todo o remanejamento de festivais de cinema mundo afora acabaram por atrasar planos para o curta. Mesmo assim, a estreia em um festival internacional já é considerada um bom ponto de partida. 

“Nunca tinha estreado em um festival internacional. É a minha melhor estreia em relação aos outros filmes que dirigi. Queria muito estar lá, mas, infelizmente, a pandemia não deixou. O filme seguirá a trajetória de festivais. Aliás, teremos uma novidade de evento online na próxima semana”, disse, Aufiero fazendo mistério sobre qual seria o tal evento. 

Previsto inicialmente para acontecer em dezembro deste ano, o lançamento de “De Costas pro Rio” em Manaus deve ficar para 2021 por conta… adivinha? Sim, da maldita pandemia. Mas, enquanto isso, Aufiero já planeja mais um filme no Amazonas. 

“Vou continuar por aqui em Curitiba com a produtora até porque fui contemplado pelo Governo do Paraná em um edital para fazer um curta. Porém, tenho um projeto de documentário para fazer no Amazonas nesta constante reflexão entre o passado histórico e o presente. Estou escrevendo, pensando. Pretendo financiá-lo para conseguir passar pelo interior do Amazonas. O documentário seria uma forma de explorar e conhecer essa região. 

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