Um senhor idoso está sentado em sua cadeira, no quintal de casa. Calado, fuma um cigarro. Parece que ali está há algumas horas, e que de lá não sairá tão cedo. Observa calmamente a paisagem, que é imóvel. Aparenta não ter nenhuma pressa pro seja lá o que irá fazer. Sua tranquilidade e paz são tantas, que nem parece que este senhor é autor de filmes tão radicais quanto misteriosos, um dos cineastas mais diferenciados dos últimos tempos. Este senhor é David Lynch, em um intervalo entre as suas pinturas.

Se para muitos um bom filme já diz logo de cara sobre o que se trata, pode-se dizer que o trio de diretores, Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm cumpriu bem tal requisito aqui. Negando-se a fazer um apanhado da carreira do cineasta, o filme se foca no seu estado atual (antes do retorno de Twin Peaks), recluso, e se vale de um raro acesso à intimidade do protagonista. O filme apresenta declarações de Lynch sobre a sua infância e juventude, e de que maneira o pensamento artístico se inseriu neste momento, para mostrar o que estava na sua cabeça enquanto realizava os seus curtas, até o momento que finalizou Eraserhead (1978), seu primeiro longa-metragem. Trata-se do David Lynch de agora falando sobre a versão jovem de si mesmo, que nem pensava em fazer cinema.

O longa se dedica a acompanhar Lynch dedicando-se à paixão que mais ocupou o seu tempo durante toda a vida: a pintura. Em vez dos seus filmes, são elas que ilustram o imaginário visual do diretor neste filme. Muito antes de pensar nas imagens em movimento, Lynch exprimia sua inquietude nos quadros que pintava, e desde cedo mostrava suas ideias visualmente desconfortantes, fora do senso comum. Agora, afastado da indústria, ele retornou à terceira arte, e nela se sente ativo, inquieto, feliz.

O filme apresenta raras imagens, como o contato do diretor com a sua filha quase recém nascida, Lula, além de imagens inéditas da sua infância, seus pais, irmãos, um belo material de arquivo.

Através da sua fala, que não é vista, apenas ouvida, temos acesso às inseguranças de Lynch, conhecemos melhor aquela figura que já chegou a amedrontar o seu pai quando este viu que aquele guardava frutas e animais apodrecidos no porão para entender como funcionavam as suas decomposições pensando que isso o traria ideias para os seus quadros (numa sequência bem humorada, mas melancólica). Vemos também como inesperadamente conseguiu uma bolsa de estudos de cinema, e o quanto isso mudou a sua vida; de que maneira ele pensou os seus primeiros curtas; e como os seus pesadelos criaram fortes imagens e sensações que o marcaram por toda a vida.

Mas ao mesmo tempo é inegável o sentimento de frustração que o filme desperta. Na essência, não há nenhum problema na abordagem escolhida pelos diretores. Certamente ela traz informações preciosas, que não seriam conseguidas se o estilo utilizado fosse outro. Mas o filme traz uma sensação surpreendente de fastio. O que chega a ser um absurdo, visto que o personagem principal pode ser tudo, menos tedioso.

A direção até tenta criar situações mais envolventes, ao elaborar sequências com imagens perturbadoras das pinturas, que de fato possuem um interessante potencial sensorial, somadas a uma trilha de suspense. Aqui e ali, estes artifícios conseguem o seu objetivo, mas ainda assim soam como intrusos, não se conectam ao restante do filme, parece que foram colocados ali sem que um conceito maior estivesse por trás da ideia. As imagens acumulam-se sem criar significado, parecem ter sido colocadas apenas para ocupar a tela de maneira estilosa.

Por mais interessante que seja ouvir o diretor falando sobre os acontecimentos importantes da sua vida, o documentário carece de melhor ritmo, de imagens, de uma concepção visual mais criativa. Mesmo tendo apenas 90 minutos, o filme se arrasta, passa incomodamente devagar.

A sensação de frustração fica ainda mais forte quando, ao final do filme, ouvimos o diretor falando sobre Eraserhead. Chega a emocionar ver a maneira como Lynch fala deste trabalho, o carinho que sente. Demorou anos para que finalizasse, mas neste filme ele pode decidir cada detalhe, e se orgulha de cada quadro, que o considera lindo.

Anos depois, o diretor entrou na indústria, e se viu tendo problemas com produtores, estúdios, que tolhiam a sua criatividade, e impunham um estilo comum, pasteurizado, que o desiludiu, e o afastou de lá.

Até entendo a ideia de mostrar esta figura vivendo um cotidiano banal, conversando de maneira descompromissada sobre histórias passadas. Vejo valor na proposta. Mas não como proposta única. Um artista tão diferenciado como Lynch possui mais camadas, que o filme não parece capaz de acessar. Possui bons momentos, mas passa longe de ser uma obra a altura do seu protagonista.