A comédia é responsável pelas maiores bilheterias do cinema nacional.

Isso é fato, está nos números. Sem ela, filmes mais densos e audaciosos não conseguiriam sair do papel, e o sonho de um cinema brasileiro mais forte e prolífico não passaria disso – um sonho.

Isso, porém, não é desculpa para todas as fórmulas, vícios e equívocos que frequentemente assolam as comédias brasileiras, dos quais um bom exemplo é De Pernas pro Ar 2, do diretor Roberto Santucci. Sequência do filme de 2010, que teve mais de 3 milhões de espectadores, a obra lida com a difícil expectativa de igualar a marca, ao mesmo tempo em que precisa acrescentar novos elementos para não se repetir.

Vejamos: Alice (Ingrid Guimarães), cuja obsessão por trabalho havia causado todos os problemas do filme anterior, não se emendou. Pelo contrário – a loja SexDelícia, que ela havia ajudado a deslanchar junto com a amiga Marcela (Maria Paula) cresceu e agora é uma rede com 100 lojas em todo o país. Só que o ritmo e as pressões do trabalho cobram o preço: na inauguração da loja número 100, Alice não aguenta mais e desaba em cima do bolo da comemoração. Exausta, ela é enviada pelo marido (Bruno Garcia) a um spa para tentar se recuperar. O problema é que, enquanto está no spa, Alice fica sabendo que há investidores americanos dispostos a levar a loja para os Estados Unidos – e que o negócio só vai se concretizar com a participação dela. A família, claro, nunca concordaria, e isso faz Alice bolar um plano: ir para Nova York como se estivesse de férias com o marido e o filho, e dar um jeito de tentar conciliar os passeios com as reuniões secretas.

Por aí deu pra ver que a história lembra bastante o primeiro filme. Para não ficar na refilmagem, porém, Santucci e a roteirista Mariza Leão fizeram algumas alterações importantes em personagens e situações. Marcela já não divide mais a trama com Alice, e seu papel sofreu uma mudança incompreensível: enquanto no primeiro filme ela trouxe maturidade e um olhar mais liberal sobre o sexo para a amiga, neste ela se limita a dar chiliques por causa de um interesse romântico (Eriberto Leão) e, mais estranho ainda, a ignorar os problemas de Alice. Ela despreza a recuperação da sócia, insistindo que ela vá para Nova York e, numa outra cena, ainda a provoca: “é, eu devia saber que você não está dando conta”. Depois de assistir, recentemente, a Quatro Amigas e um Casamento, e agora mais esse, a amizade feminina, se for como mostram os filmes, é uma coisa bem sombria.

Quem ganhou maior destaque foram o marido, João, e a mãe, Marion (a sempre ótima Denise Weinberg). O problema, na trama, também passou a ser outro: saem de cena a insatisfação sexual e amorosa, entra o complicado equilíbrio trabalho/família.

No mais, infelizmente, é a mesma toada que você viu em 2010 – só que esbanjando takes de lugares manjados de Nova York (alguns feitos em computador – a cena no banco do Central Park, por exemplo, não chega nem a disfarçar), com um deslumbramento igual ao de um novo-rico que nunca saiu de sua cidade.

No centro da ação, e fazendo o filme funcionar, está Ingrid Guimarães. Seu ritmo para as gags e a sua capacidade de improvisação continuam admiráveis, e, o que é melhor, dão certo no cinema: a sequência em que ela apresenta a loja para executivos americanos – após ter ingerido drogas –, ou a declaração final para João seguem a linha do seu humor na televisão, de programas como Sob Nova Direção ou o esquete da modelo Leandra Borges no Fantástico, mas têm a mesma graça no novo formato. E é só por ela que os lugares comuns do roteiro (Alice e Ricardo, o personagem de Eriberto Leão, se flagram um instante dizendo a mesma coisa ao mesmo tempo. Só falta eles falarem: “se eu fosse você…”) têm alguma graça.

O grande defeito do filme, que é também o de 99% das comédias nacionais, é o roteiro. É tão preso a esquemas rígidos (piada-drama-piada-mensagem da história-piada) e gags absurdas, que parecem querer te fazer rir na marra (a tradutora que Alice e Marcela arrumam para apresentar um novo modelo de vibrador é uma freira; a dona do spa é uma mulher rude e masculinizada, até provar um vibrador – por sinal, o mesmo coelhinho sacana do primeiro filme; Alice desmaia sobre um bolo com formato de mulher, e a cena vai parar na Internet), que se torna incômodo. Uma cena do primeiro filme – a da montanha-russa – chega a ser recriada inteirinha neste aqui, trocando só o cenário, que desta vez são nuvens.

O diretor Santucci também atrapalha às vezes, estendendo uma piada para muito além da graça inicial – a sequência do restaurante oriental, onde Alice tenta se desdobrar entre a família e um executivo americano, é interminável.

Pra que não digam que é minha implicância minha, há uma ótima sequência, melhor do que qualquer outra coisa deste filme ou do primeiro: a do spa, onde Alice encontra outras pessoas tão ou mais malucas do que ela. É um trecho que dura pouco tempo, mas as aparições de Tatá Werneck, da MTV (uma das melhores comediantes do Brasil, que trava um diálogo hilário e acelerado com Ingrid – e deixa você imaginando no que daria um filme inteiro das duas), como uma atriz neurótica, cleptomaníaca e viciada em redes sociais, e Luís Miranda (que, desde Jean Charles [2009], aguarda um papel à altura do seu enorme talento), como um sensacional Mano Love, um ex-jogador de futebol que tem compulsão por sexo, não deixando passar nem os homens, valem o filme.

De resto, uma comédia brasileira convencional, que não avança do ponto em que o primeiro filme parou, nem deve se destacar de outras que certamente virão (Até que a $orte nos Separe 2, Se Eu Fosse Você 3 e por aí vai).

Nota: 6,5