Em certo momento de Demônio de Neon, um estilista esnobe declara que “beleza não é tudo; beleza é a única coisa que importa”. Aparentemente, o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn levou muito a sério o aforismo do próprio personagem e o aplicou à máxima: Demônio de Neon é lindo e cada frame seu poderia ser facilmente emoldurado, mas é tão substancial quanto um comercial de duas horas sobre cosméticos.

Desde que Drive o levou à aclamação mundial (e com razão), a pretensão parece ter sido o lema norteador da carreira de Winding Refn. Seu filme seguinte, Apenas Deus Perdoa, teve uma recepção irregular da crítica, mas tinha lá suas qualidades redentoras. Três anos depois, Demônio de Neon foi anunciado com tanto hype quanto os longas anteriores, prometendo ser um horror psicológico pesado aliado à mesma excelência visual de praxe. É uma pena ver que a promessa não se cumpre – na verdade, é difícil até mesmo classificar o filme como “terror”, quando não há nem mesmo uma ambientação do gênero.

O tal “demônio de neon” do título é a aspirante a modelo Jesse (Elle Fanning), recém-chegada a Los Angeles, e que rapidamente vai conquistando uma ascensão meteórica no mundo da moda por conta de sua beleza natural e magnética, que intriga todos à sua volta. A beleza de Jesse desperta os piores e mais profundos desejos de todos: desde o desejo de ser como ela é até o sexual e o antropofágico. Se Jesse é inicialmente vista como uma garota ingênua e pura, o que se reflete até mesmo no seu guarda-roupa e tom de voz, ela, aos poucos, vai se revelando e se dando conta de seu próprio poder. Não à toa, o uso de um batom roxo simboliza, logo numa das primeiras cenas, o início de sua derrocada moral.

Demônio de Neon, com Jena Malone e Elle Fanning

Simbolismo, aliás, é o que não falta no longa: desde as referência a felinos e predadores, que constantemente vêm e vão na trama, o uso das cores vermelhas e luzes neon, que representam a virada de Jesse, até o terceiro ato bizarro, que investe no surreal e quase nonsense a fim de remeter a rituais ancestrais e canibalistas cujo objetivo é o de assumir a força do outro. Quando não são óbvias – o figurino das personagens diz exatamente quem elas são desde o começo, por exemplo –, as metáforas são, em ideia, interessantes, mas se perdem na execução: Demônio de Neon sofre por uma ambientação que demora a se estabelecer e um fiapo de roteiro que não se preocupa em criar narrativas coerentes para seus personagens e impede o filme até mesmo de funcionar bem como um drama ou estudo de personagem. Elle Fanning faz o que pode, mas não há muito o que fazer; quem ainda consegue brilhar um pouco é Jena Malone, que assume com total segurança a ambiguidade não tão ambígua de sua personagem, e tem a única cena realmente perturbadora de todo o filme para chamar de sua.

O grande problema de Demônio de Neon é que há um cinismo presente a todo tempo na obra e que se reflete em sua concepção: Winding Refn tenta apresentar uma crítica à indústria da moda e sua objetificação e misoginia, mas faz isso com um olhar predominantemente masculino, que trata as mulheres como meras peças a serem contempladas visualmente, enquanto todas as personagens têm personalidades rasas e estão dispostas a devorar umas às outras pelo sucesso. Em sua tentativa de crítica, o cineasta incorpora justamente todos os problemas que deseja denunciar, e o resultado é paradoxal e tão vazio quanto o slow motion utilizado como muleta visual em várias cenas. Cada frame de Refn praticamente grita suas referências, mas nem se aproxima da elegância delas: o clássico Suspiria, de Dario Argento, é a maior referência, desde cores a sequências quase inteiras, mas sobram ainda as obras dos “Davids”, Cronenberg e Lynch.

Tão raso quanto os personagens e a indústria que pretende criticar, Demônio de Neon pelo menos tem uma estética bela e rica em detalhes, graças à fotografia de Natasha Braier, e uma trilha sonora com toques eletrônicos interessantes, cortesia de Cliff Martinez, com clara inspiração na banda de rock progressivo Goblin, responsável por nada mais nada menos que a trilha sonora de Suspiria (coincidência? Claro que não). Visual por visual, porém, era melhor ver um editorial de moda – não demora tanto e, se você estiver no consultório médico esperando sua vez, dá para passar tempo e não se irritar.

Elle Fanning em Demônio de Neon