Não teve Wagner Moura, Selton Mello, Lázaro Ramos, Deborah Secco, Leandra Leal ou Fernanda Montenegro. A verdade é que, para bem ou para mal, o cinema brasileiro teve um grande nome em 2014 e ele se chama Leandro Hassum. Odiado pelos críticos e especialistas do setor pelas comédias de roteiros pobres e gags batidas, o ator se tornou o principal responsável da produção nacional não registrar índices ainda piores neste ano.

20140606085803201217eDados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram o baixo público dos filmes brasileiros no país: somente cinco produções conseguiram vender mais de um milhão de ingressos em 2014. Para piorar, nenhum desses projetos conseguiu chegar no TOP 20 dos filmes mais vistos neste ano no Brasil. Isso é um fato inédito desde o surgimento do Observatório Brasileiro do Cinema e Audiovisual em 2008.

Produções excelentes como “O Menino e o Mundo” (32 mil espectadores), “O Lobo Atrás da Porta” (29 mil), “O Mercado de Notícias” (13 mil) e “O Homem das Multidões” (11 mil) ficaram sem público nas salas de cinema. Já filmes com investimentos de peso sobre pessoas famosas registraram vendas de ingressos bem abaixo da expectativa gerada por todo marketing: “Tim Maia” (809 mil), “Getúlio” (508 mil), “Irmã Dulce” (137 mil) e o fracasso-mor “Não Pare na Pista – A História de Paulo Coelho” (93 mil). As obras com repercussão nas redes sociais e elogiadas pela crítica também obtiveram resultados modestos como “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (203 mil) e “Praia do Futuro” (133 mil).

A situação crítica fez a Ancine arregaçar as mangas com o lançamento de uma campanha publicitária estrelada por Cauã Reymond, Matheus Nachtergaele, Deborah Secco e Patrícia Pillar incentivando o público a assistir produções nacionais. A instituição ainda resolveu, finalmente, implementar a medida de limitar os megalançamentos no Brasil para, no máximo, 35% das salas disponíveis no país (atualmente, são 2.800 salas disponíveis em toda nação). O objetivo é evitar situações como a estreia de “Jogos Vorazes – A Esperança – Parte 1” quando 46% dos cinemas do Brasil exibiam o filme.

SALVAÇÃO DA LAVOURA

2014 não foi um desastre no cinema nacional por completo devido ao êxito das comédias populares da Globo Filmes. “Os Homens São de Marte e Para Lá Que Eu Vou” (1,79 milhão de espectadores), e “S.O.S – Mulheres ao Mar” (1,76 milhão de espectadores) mostraram a força dos longas voltados para o público feminino, “Muita Calma Nessa Hora 2” (1,4 milhão de espectadores) aposta na continuação de um sucesso juvenil. Mas foi Leandro Hassum quem realmente obteve os melhores resultados.

O comediante protagonizou duas produções em 2014: “Vestido Para Casar” levou 1,2 milhão de espectadores, enquanto “O Candidato Honesto” registrou a maior venda de ingressos para um filme brasileiro neste ano ao levar 2,2 milhões de pessoas aos cinemas. Se a Ancine ainda contasse com “Até Que a Sorte nos Separe 2” lançado na última semana de 2013 e que fez a carreira toda entre janeiro e fevereiro, os números seriam ainda maiores: 3,4 milhões somente com a continuação.

Hassum segue uma linha popularesca com muitas gags visuais, trocadilhos bobos e histórias sofríveis. “Vestido Para Casar” e “O Candidato Honesto”, por exemplo, são tramas idênticas em que muda apenas a profissão do protagonista. Nas duas produções, o comediante precisa lidar com a mentira (seja por não conseguir parar ou por não poder fazê-la) e as confusões se dão em torno disso. Já nos dois “Até Que a Sorte Nos Separe”, temos o mesmo roteiro contado duas vezes, sendo a diferença nos locais onde o filme se passa (Rio de Janeiro e Las Vegas). O restante fica a cargo de Hassum para explorar piadas sobre o próprio excesso de peso, caretas intermináveis e gritaria constante.

8ufuidiwjok1e8c0dfa9ppw59O MOJO DE HASSUM

Se tantas falhas são apontadas nos filmes do comediante, por que tanta gente ainda vai ver os filmes dele?

O sucesso dos filmes de Leandro Hassum tem explicações na própria história do cinema nacional. A comédia sempre obteve bons índices desde os tempos da Cinédia quando a dupla Oscarito e Grande Otelo brilhava em produções popularescas como “Aviso aos Navegantes”, “O Homem do Sputnik” e “Nem Sansão Nem Dalila”. Décadas mais tarde, Os Trapalhões registraram as maiores bilheterias da produção brasileira nos anos 80. Assim como acontece hoje, todos esses longas não tinham grande aceitação por parte da crítica, sendo considerados obras mais voltadas para o aspecto comercial do que para o artístico.

Outro ponto característico das comédias estreladas por Leandro Hassum é a forte ligação com o meio de comunicação mais forte do Brasil. Na época do estouro da chanchada da Atlântida, por exemplo, predominava a era do rádio com um casting repletos de músicos e atores. Todos esses astros – Carmem Miranda, Dercy Gonçalves – migraram para o cinema, despertando a curiosidade no público para saber quem eram os donos das vozes tão conhecidas sempre com histórias fáceis para fisgar a atenção do público. A televisão se consolidou nos anos 70 no país e a sétima arte aproveitou isso a partir da década de 80 com a chegada de filmes da Xuxa, Sérgio Malandro, Faustão e, claro, da turma de Didi, Mussum, Zacarias e Dedé.

O mesmo se repete com as atuais estrelas do humor nacional – Marcelo Adnet, Ingrid Guimarães, Fábio Porchat e o próprio Leandro Hassum – em produções com roteiros simples como os vistos na Globo. Não há qualquer traço de sofisticação ou acabamento melhor para esses filmes; na verdade, assim como ocorre na maior parte das novelas ou seriados em que não se exige inovações narrativas ou histórias mais qualificadas pela liderança quase sempre garantida, as comédias atuais não sentem a necessidade de trazer algo novo pelas boas bilheterias. Nota-se até mesmo nas questões técnicas como a falta de planos mais bem construídos, excessivos planos médios e fotografia óbvio uma aparência de novela, causando a sensação de familiaridade com o público por essas semelhanças.

TEM JEITO?

Somente uma possível inquietude artística poderia fazer o nível das comédias brasileiras se elevarem. Evidente que cinema se trata de um grande negócio em que o ator pouco tem influência nesse tipo de decisão, porém, a força adquirida por Leandro Hassum como o artista capaz de ser nome certo para bilheteria no Brasil pode fazê-lo não se sujeitar mais a bombas como “Vestido Para Casar”, deixar isso para um iniciante e exigir um roteiro decente.

Não se cobra de Hassum necessariamente um humor do nível existencialista como Woody Allen ou flertando com a filosofia sarcástica de Monty Python, mas, pede-se algo com o mínimo de criatividade (“O Candidato Honesto”, por exemplo, é um cópia descarada de “O Mentiroso” com Jim Carrey).

As declarações de Leandro Hassum, infelizmente, mostram que essa esperança não passa de utopia. Para ele, há muita perseguição da crítica em relação aos filmes dele. “Acho que a crítica ainda torce muito o nariz para as comédias. Mas não é para eles que faço cinema, e sim para o público. Não tenho nada contra críticas que me ajudem a melhorar ou colaborem de forma positiva. Mas na sua maioria a crítica vem só revestida de um preconceito contra um gênero específico, no caso as comédias”, disse o comediante em recente entrevista para o site IG.

A receita grana mais ego inflado cria um cenário pouco animador de perspectiva de melhoras dos filmes estrelados por Leandro Hassum. E já que ele é o modelo a ser seguido no padrão brasileiro de comédias populares, dá para esperar um 2015 nada animador.

O Candidato Honesto