Kathryn Bigelow é uma cineasta fora da curva. Trabalhando com gêneros cinematográficos normalmente associados a homens (até porque a indústria é claramente machista, e só oferece tais projetos a eles), ela sempre demonstrou personalidade e segurança como diretora, e tudo isso se soma a um talento realmente diferenciado para que estes tais “macho movies” ganhem uma rara complexidade e quantidade de camadas.

Desde os divertidos Caçadores de Emoção (1991) e Estranhos Prazeres (1995), chegando agora numa fase de maior maturidade com os ótimos Guerra ao Terror (2008) e A Hora Mais Escura (2012), a diretora sempre apresentou um olhar humano sobre personagens que vivem numa enorme pressão, tendo que conviver com a violência ao redor, e com os seus próprios demônios, resultando em filmes destacados, principalmente o que lhe rendeu o seu Oscar de direção em 2010.

Quando o seu projeto seguinte foi anunciado, Detroit em Rebelião, que falaria sobre os conflitos ocorridos entre a população negra de Detroit em protesto contra a brutalidade policial na década de 1960, parecia que seria mais um passo adiante neste excelente momento que a cineasta vive, mais uma vez abordando um tema polêmico e contemporâneo.

A narrativa escrita por Mark Boal, habitual colaborador da cineasta, caminha de maneira bastante cadenciada, em alguns momentos aparenta até ser não-narrativa. Primeiro somos situados sobre a situação dos negros na cidade, depois o filme chega onde queria, no episódio do motel em que a polícia violenta vários negros inocentes, e por conseguinte torna-se um filme de tribunal no terceiro ato.

O estilo de Bigelow permanece nervoso, com câmera na mão, movimentos rápidos, zooms, planos fechados, claustrofóbicos, o que coloca uma urgência nos acontecimentos vistos, dialogando de forma coerente com a violência na tela.

Porém o resultado mostra-se surpreendentemente arrastado e cansativo. Os 143 minutos surgem quase injustificáveis, passa-se a impressão de que a montagem de William Goldenberg e Harry Yoon permite uma série de excessos, estendendo de maneira inadequado diversas sequências que poderiam ser mais curtas. Um filme mais enxuto potencializaria os conflitos.

Sem dúvida o estilo cadenciado e cotidiano ajuda a situar bem os personagens, bem como o contexto que envolve os acontecimentos, lembrando o bom Fruitvale Station: A Última Parada (2014). Mas ao contrário do filme de Ryan Coogler, Detroit parece perder muito tempo com as diversas tramas paralelas que desenvolve, o que faz com que o filme aparente não ter foco durante a sua primeira hora. Sente-se falta de um fio condutor mais seguro para conduzir a trama.

Além disso, a longuíssima sequência no motel beira o insuportável. Claramente faz parte da proposta de Bigelow fazer com que esse trecho tenha esse caráter, que passe devagar, explicitando como a violência dos policias é premeditada e criminosa, e como é devastador o martírio das vítimas. Mas acredito que chega um momento em que o efeito alcançado é quase reverso. Quase se torce para que aquilo termine de qualquer maneira e que a narrativa prossiga. Já se entendeu o que se queria passar, mas ainda demora muito para que o filme avance.

Ao mesmo tempo, é muito importante ressaltar que Bigelow acerta onde a esmagadora maioria dos realizadores erraria. Ela não transforma em vilão e mocinho nenhum dos lados da história. Sem dúvida os policiais brancos interpretados por Will Poulter, Ben O’Toole e Jack Reynor, mostram-se como verdadeiros homicidas, mas não são todos os brancos do filme que agem dessa maneira, como é o caso do chefe dos policiais, e um outro policial que ajuda um personagem negro a escapar dos próprios policiais brancos.

Os personagens negros também são muito multifacetados. Há os que se revoltam e partem para a luta física, por acharem que não tiveram escolha; os que se omitem e querem apenas seguir com a sua vida sem confusão; e aqueles que, de alguma maneira, parecem buscar enxergar o lado humano por trás dos policiais, para quem sabe manter uma relação de cordialidade; e os que se revoltam com os próprios negros que ou são coniventes, ou não se mobilizam contra o sistema. Há muitos lados na questão.

Os personagens são bem desenvolvidos, e possuem motivações complexas para os seus atos. A tão conhecida polarização em assuntos como estes é colocada de lado por Bigelow, que mostra o quanto uma situação como essa possui sim camadas de cinza, mesmo quando os lados opositores parecem dizer que não.

Mesmo que o saldo final soe decepcionante, Detroit em Rebelião é um importante filme de 2017 por mostrar como questões de intolerância e violência, que aconteceram há quase 50 anos, permanecem tão presentes ainda hoje. E o que muita gente parece ainda não ter percebido, é que não há muitas variáveis de final quando o grupo mais forte faz uso de todas as suas armas para exterminar o mais fraco.