Não há nada mais prazeroso no mundo do cinema quando você fica diante de um filme que ajuda a espairecer de forma divertida e espontânea. A situação melhora ainda mais quando ele permite alguns bons momentos de reflexão, o que contribui consideravelmente para experiência como um todo. Dope – Um Deslize Perigoso é responsável por este tipo de sensação e funciona como uma produção atemporal, isto é, um filme perdido no tempo, transitando pela cultura pop das últimas três décadas. Este talvez seja o seu maior diferencial: a de ser uma obra universal, na qual você identifica-se com as situações vivenciadas pelos personagens, pois remete a momentos importantes da sua vida. Geralmente classificamos este tipo de produção como um verdadeiro fell good movie.

Malcolm (a grata revelação Shameik Moore) é uma jovem estudante de um subúrbio barra pesada de Los Angeles. Ele foge dos estereótipos de um filme black: é um geek inteligente, sem vícios, que sonha em levar uma paixão platônica ao baile, utilizando o tempo de folga para curtir hip hop dos anos noventa junto com os dois amigos Diggy (Kiersey Clemons) e Jib (Tony Revolori), além de ter como meta entrar para conceituada Universidade de Harvard. Isso muda drasticamente quando uma montanha de droga, acidentalmente vai parar na sua mochila em uma festa.

Dirigido por Rick Famuyiwa, Dope é o seu quarto trabalho na direção, mas o primeiro a chamar atenção da crítica – até então, o seu filme mais conhecido é No Embalo do Amor de 2002. Sua nova produção teve uma repercussão positiva no último Festival de Sundance, além das boas críticas no circuito alternativo americano e recentemente passou no Festival do Rio. Apesar da produção modesta – grande parte dos seus atores são desconhecidos – tem uma equipe renomada de produtores como Sean Combs, Forest Whitaker (inclusive ele faz a narração em off no filme) e Pharrell Williams, que assina uma das músicas. Como o filme de Famuyiwa é arrojado, vamos evidenciar de forma dinâmica nesta crítica, os principais pontos favoráveis e desfavoráveis do trabalho como um todo:

  1. O enredo simples que alinha a essência dos anos 80 em uma roupagem moderna

Favorável: O roteiro prima pela simplicidade e leveza que remete as divertidas produções da década de 80. Na verdade, tem cara de filme da sessão da tarde, das comédias de situações, onde o protagonista precisa corrigir um problema na qual se meteu (por engano) e cada vez a situação piora. Apesar da ingenuidade característica deste tipo de filme oitentista, Dope mistura o humor ingênuo com o politicamente incorreto, onde a roupagem moderna é evidente nos palavrões, nas gírias e na montagem dinâmica. A essência narrativa destila referências e situações comuns das comédias de 80, ainda que siga a tendência do cinema contemporâneo por meio da estética moderna.

Desfavorável: O único problema é o tom demasiadamente ingênuo em mais da metade do filme, deixando de desenvolver melhor o seu conto moral, passando a impressão que as várias subtramas ficaram em aberto.

  1. O Protagonista e sua gangue Scooby Doo

Favorável: Shameik Moore é um achado, um verdadeiro talento a ser conhecido. Transforma seu Malcolm em carisma puro, um verdadeiro herói inusitado neste tipo de comédia. Representa o geek negro da cultura hip hop com uma desenvoltura adorável de se ver. É um contraponto interessante ao ícone Ferris Bueller da década de 80, onde apesar da timidez de Malcolm – diferente da extroversão do outro – ele é dotado da mesma inteligência e empatia de Bueller. Moore faz um trio afiado com Tony Revolori e Kiersey Clemons.

Desfavorável: A principal aresta do filme neste quesito é a falta de cuidado com os personagens secundários. Há coadjuvantes interessantes como é o caso de Diggy e Jib, mas eles jamais são desenvolvidos satisfatoriamente dentro da trama em comparação ao seu protagonista.

  1. A deliciosa trilha sonora dos anos 90

Favorável: Aqui consiste o grande coração do filme: Sabe conquistar o público com o seu jeito tímido e ao mesmo tempo cínico. O roteiro de Famuyiwa brinca com a mitologia do universo Pop Black: as roupas coloridas, os visuais extravagantes dos personagens, os diálogos que respiram a cultura desta década, a fotografia alegre e a trilha sonora deliciosa que vai do hip hop mais cafona ao top de linha. O que dizer da cena em que Malcolm passa a ter o controle da sua vida ao som de It’s my turn now? É uma adoração quase anacrônica ao pop dos anos 90.

Desfavorável: Não há nada do que reclamar. Tudo funciona para engajar o público a viajar com o trio principal nas enrascadas da vida sempre embalado pela trilha sonora deliciosa.

  1. Desconstruindo estereótipos 

Favorável: A veia sarcástica e cínica do roteiro é responsável pela divertida crítica social que não deixa de ser a forma como Famuyiwa satiriza os estereótipos dos filmes de gueto. Ele brinca com a visão preconcebida do jovem negro americano e prefere falar do preconceito de forma simples através do humor leve e inteligente, evitando cair no debate estereotipado. Traficar drogas não é reflexo da violência e do meio social e sim revela a necessidade de Malcolm conseguir a porta de entrada para uma grande universidade. Tem algo mais geek do que isso?

Desfavorável: Falar de preconceito é um caminho complicado, ainda mais na discussão dos estereótipos. Apesar da sua abordagem bem-intencionada, Dope exagera no seu formato limpinho e inofensivo. Parece muitas vezes tirar o pé do acelerador da sua crítica irreverente para ser engraçado. Neste ponto, o filme oscila no ritmo.

  1. O Conto Moral Geek

Favorável: Em certo momento Malcolm fala “Quando você não se encaixa, é forçado a ver o mundo de vários ângulos e pontos de vista. Ganha conhecimento, lições de vida de muita gente e lugares. E essas lições, para o bem ou para o mal, me moldaram.” O filme poderia cair muito bem nos clichês das comédias do gênero, mas ele é um admirável conto de amadurecimento, da transição da vida juvenil para adulta. Por isso a lição de moral ao seu estilo geek apresenta seus valores universais e traz lições relevantes na forma de quem realmente somos ou somos percebidos pelos outros entre categorias e definições.

Desfavorável: Ainda que traga boas reflexões, o roteiro do filme é didático em trabalhar esta lição ­– principalmente no ato final. Expõe sem qualquer necessidade a sua mensagem de forma óbvia.