Desde a sua fundação em 1912 a vinheta do estúdio Universal sempre mostrou o planeta Terra girando. Mas pelo menos no tocante ao mundo do cinema, às vezes parece que o planeta gira apenas para acabar no mesmo lugar. Em 1931 a Universal entrou definitivamente no panteão das grandes e mais populares produtoras de cinema com o sucesso de Drácula, estrelado por Bela Lugosi. Agora, mais de 80 anos depois o estúdio vem com este Drácula: A História Nunca Contada, com o famoso conde sendo adaptado para as sensibilidades modernas do publico atual.

Ou seja… este novo filme transforma o Drácula em super-herói. Trata-se basicamente de um “Drácula Begins” que mostra a origem vampiresca do personagem. Ele é vivido por um ator com pinta de galã, sabe lutar e tem poderes de fazer inveja a muitos super-heróis do cinema. Como hoje em dia os filmes de heróis são praticamente um novo subgênero e o mais lucrativo produto hollywoodiano das últimas décadas, faz sentido – pelo menos do ponto de vista financeiro – que a influência desse subgênero comece a se estender para outras produções.

Segundo a lenda, o autor do romance “Drácula”, o irlandês Bram Stoker, buscou inspiração numa figura histórica para compor o seu personagem vampiro: Vlad Tepes, o “Impalador”, considerado uma figura heroica pelo povo romeno por ter repelido a invasão dos turcos otomanos em meados do século XV. Seu nome Drácula literalmente significava “filho do dragão”. O filme nos mostra isso numa rápida introdução, de modo que, quando conhecemos Vlad (Luke Evans), ele já é um guerreiro experiente – e cristão – e o rei de seu povo.

Vlad só quer viver em paz com sua esposa Mirena (Sarah Gadon) e filho Ingeras (Art Parkinson). Porém, ele logo descobre indícios de que os turcos estão planejando retornar. Após um decreto terrível do governante turco Mehmed (Dominic Cooper) colocar de novo os dois povos em conflito, só resta a Vlad recorrer a um estranho poder: uma criatura vampiresca descoberta dentro de uma caverna – interpretada pelo ator Charles Dance – e então fazer um pacto com ele, numa ultima tentativa de salvar seu povo.

Pela sinopse, percebe-se que este Drácula tem boas intenções, e o roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless nunca faz do seu protagonista um sujeito realmente mau. Eles basicamente tomam emprestado elementos dos filmes de super-heróis – há até uma cena em que o protagonista aprende a usar seus poderes, como acontecia no Homem-Aranha (2002) de Sam Raimi. Este Drácula controla os morcegos como o Batman, tem visão quase infravermelha como o Predador, e consegue enfrentar centenas de inimigos de uma só vez como o Neo em “Matrix Reloaded” (2003). Não há uma nova visão sobre o mito aqui, como acontecia, por exemplo, no Drácula de Bram Stoker (1992) dirigido por Francis Ford Coppola há mais de vinte anos. Há apenas uma tentativa calculada de agradar ao máximo possível de espectadores apostando no que eles já conhecem.

Isso torna o filme previsível e incapaz de gerar qualquer empolgação – afinal, qualquer ser humano que já tenha visto um filme do Drácula, e há muitos para escolher, consegue imaginar o desfecho deste A História Nunca Contada mesmo sem assisti-lo. As cenas no início são rápidas e repletas de diálogo expositivo, com os personagens explicando suas motivações e os conflitos da história para chegarmos mais depressa ao que realmente importa, as cenas do Super-Drácula atacando o exército turco.

Pena que seja praticamente impossível compreender exatamente o que se passa nas cenas de batalha porque o diretor Gary Shore e seu montador apostam no excesso de cortes rápidos. Quando a câmera finalmente se estabiliza, Shore consegue enfim criar um momento interessante do ponto de vista visual, quando vemos a luta refletida na lâmina de uma espada. O cineasta iniciante não é nenhum Peter Jackson, com certeza – aliás, não está sequer no nível do Stephen Sommers, que pelo menos conseguiu fazer uma razoavelmente divertida versão de A Múmia em 1999.

Luke Evans é um ator esforçado e faz o que pode para injetar profundidade e tragédia no seu personagem, mas é difícil levar essa tragédia a sério quando o próprio filme a desmente, como na cena final que deixa claro o objetivo do estúdio de transformar este Drácula em franquia. Do resto do elenco apenas Charles Dance se destaca, compondo com seu vozeirão e com um bom trabalho de maquiagem a figura do Mestre Vampiro. Muitos dos outros personagens são indefinidos e esquecíveis, assim como os conflitos entre eles – por que, por exemplo, estabelecer uma relação de amizade na infância entre Vlad e Mehmed se isso não tem qualquer influência no conflito final entre os dois?

No fim das contas não importa. Quando a história chega ao seu ultimo ato, com o vilão usando uma “kryptonita” – a prata – para enfraquecer o Drácula, fica claro que o filme já desistiu de esconder os clichês e os artifícios dramáticos dos quais lança mão, já tão desgastados pelo uso. Curto, com apenas uma hora e meia, o filme não se aprofunda em nenhuma questão e se concentra apenas nas cenas de ação e que demonstram os poderes vampirescos do herói. Ao final de Drácula: A História Nunca Contada, curiosamente surge a sensação de que não é ruim ser vampiro. Sem tragédia ou envolvimento ao redor do protagonista, então só resta ao espectador achar legal ter aqueles poderes.

Nos anos 1930 Drácula era o mal encarnado. Hoje é um sujeito pelo qual torcemos e que tem uns poderes incríveis. E assim o mundo gira…

NOTA: 3,5