Intrigas de corte sempre geraram um bom pano de fundo dramático. Afinal, trata-se da ideia de um ambiente restrito onde as consequências da condição humana são elevadas por conta de uma situação de destaque e simplesmente irresistível. Em cartaz nos cinemas brazucas, há um filme que traz figuras envoltas pela realeza lutando sagazmente por poder e lidando com seus conflitos internos de maneira inventiva e emocionante.

Antes de prosseguir, deixe-me esclarecer logo que o nome desse filme é “A Favorita”. “Duas Rainhas”, por sua vez, ainda que queira ser uma produção no extremo oposto do longa do grego Yorgos Lanthimos, falha em estabelecer uma real identidade no decorrer de suas (longas) duas horas. Ao final, parece um apanhado de cenas já vistas em outros dramas históricos, mal sobrevivendo ao acender das luzes da sala.

Isso é uma pena por diversos motivos, sendo o desempenho de Margot Robbie como Elizabeth I o principal deles. Imortalizada como poderosa nas mãos de Cate Blanchett, vemos a mesma personagem ganhar uma fragilidade multifacetada aqui. Enquanto o arco de Mary Stuart (Saiorse Ronan) se assemelha demais ao da heroína sofredora,  Elizabeth é uma mulher desafiando a sua própria concepção de gênero em prol da gestão de um Estado.

Nos poucos momentos em que aparece, a rainha inglesa rouba a cena, dando a impressão de que uma história muito mais interessante acontece às margens da ação delineada pela diretora Josie Rourke. Essa ação, ainda que ganhe certo vigor durante a metade final da produção, não resiste à sequência de clichês narrativos usados para retratá-la.

Na história, Mary volta para a Escócia, depois de se tornar viúva na França, com esperanças de ascender ao trono. Lá, por ser católica, ela sofre oposição da elite local e, na Inglaterra, ela também encara a revolta dos poderosos da corte de Elizabeth, que vem legitimidade em seu reinado e, logo, uma ameaça aos seus interesses.

É interessante que “Duas Rainhas” esteja sendo vendido como uma disputa entre duas mulheres, talvez para cortejar o inconsciente coletivo potencialmente machista que aprecia esse tipo de conflito. Na realidade, apesar delas estarem em lados diferentes, a disputa é muito mais entre seus grupos aliados – ambos compostos exclusivamente de homens – do que entre as personagens de Margot Robbie e Saoirse Ronan. Entre elas, fica claro que há uma admiração e um afeição que precisa ser sublimado em prol da política.

Isso fica explícito em uma cena perto do final do longa, tão forte que nos perguntamos porque precisamos passar por tantas sequências soporíferas para chegar nela. Apesar do talento envolvido, “Duas Rainhas” é um filme cheio de excelentes possibilidades, que acabam abandonadas e substituídas por um drama chavão e esquecível.