Em 2003, a diretora Sofia Coppola provavelmente vivia um dilema. Sua carreira como atriz não fora exatamente promissora, apesar de ter participado de “O poderoso chefão” (1972; 1974; 1990), trilogia dirigida por seu pai, Francis Ford Coppola. Já sua estreia na direção de um longa, “As virgens suicidas” (1999) teve uma recepção positiva, mas também havia questionamentos se aquele não teria sido um simples golpe de “sorte de principiante” e se Sofia conseguiria manter consistência em seus próximos filmes.

A resposta a tudo isso foi “Encontros e Desencontros” (2003). De certa maneira, seus temas principais são os mesmos do filme anterior (e de alguns posteriores) dirigidos por Sofia: o face a face com uma nova fase da vida, a inadequação às demandas de uma maturidade que o personagem ainda não tem e o sentimento de solidão. Na trama, Charlotte (Scarlett Johansson) se muda para o Japão com o marido John (Giovanni Ribisi), sempre ausente por conta do trabalho. Morando em um hotel, ela conhece outro hóspede, o ator de filmes de ação Bob Harris (Bill Murray). Tendo em comum o sentimento de estarem totalmente deslocados naquele contexto, Bob e Charlotte iniciam sua amizade.

Curiosa a maneira como Coppola constrói seus personagens de forma contrastante com o ambiente em que se encontram. Tóquio surge na tela cheia de vida e possibilidades, mas a câmera se posiciona sempre como “alguém de fora”, com um olhar estrangeiro para as belezas e estranhezas da cidade, ou seja, com o olhar dos protagonistas.

Interessante também a relação entre a autodescoberta buscada pelos personagens e o simbolismo das expressões de espiritualidade da cultura oriental mesmo em coisas pequenas como na cena em que Charlotte tenta aprender ikebana. Por outro lado, também é fácil se perder na megalópole e sua obsessão por tecnologia, luzes e artificialismo, o que é muito bem ilustrado na cena da “noitada” de Charlotte e Bob no karaokê ao buscar alguma diversão no mesmo ambiente em que encaram suas insatisfações. Dessa maneira, Tóquio (e Kyoto, brevemente) é o terceiro personagem que une, toca e separa os protagonistas.

A amizade improvável entre o astro decadente Bob e a jovem Charlotte também traz algo de diferente ao filme. Ao invés de seguir pelo caminho fácil do romance de “opostos que se atraem”, a relação entre os protagonistas é construída lentamente, arquitetada de acordo com aquele local e situação específicos, de maneira que mesmo o beijo que eles trocam ao final da temporada de Bob no Japão deixa ao espectador a impressão de que aquela foi uma forma dos personagens selarem o fato de que suas autodescobertas são caminhos a serem trilhados árdua e individualmente, e não uma expressão romântica.

Apesar de Charlotte, jovem e mulher, de certa maneira se espelhar na figura paterna e masculina de Bob, não se percebe nos personagens um desequilíbrio de forças; uma tem a inquietação e a esperança da juventude, enquanto o outro tem a resistência de quem já passou por muitas experiências, e ambas as características surgem a partir dos personagens de maneira balanceada em suas vantagens e desvantagens e num tom bastante contemplativo.

Em nível visual, a suavidade com que Sofia Coppola conduz a trama de “Encontros e desencontros” se traduz principalmente através da fotografia de Lance Acord. Belíssima, ela dá um ar de sonho a cada frame, com suas cores desbotadas, luzes suaves durante o dia e fumegantes durante a noite. A tendência de Coppola de contar as histórias de seus filmes com um mínimo de diálogo e o máximo de visualidade ganha um importante aliado com tal direção de fotografia, que expressa sem palavras as sensações de inadequação e o tom irreal que a moderna e por vezes nonsense Tóquio adquire para um ocidental.

Se por um lado Coppola não é muito fã de longos diálogos, por outro lado, ela tem uma verdadeira obsessão por trilhas sonoras instrumentais. Em “Encontros e desencontros”, o líder da banda My Bloody Valentine, Kevin Shields, traz uma série de músicas (com vocais ou não) que parecem saídas de sonho, delicadas e com ritmo sempre lânguido, tal como a viciante “City Girl”. Seguindo a tradição de filmes “indie”, há outras canções escolhidas a dedo para dar o tom cool a determinadas cenas; dessa maneira, as noitadas de Bob e Charlotte são regadas a músicas como “Fuck the pain away”, de Peaches, e os covers inesquecíveis feitos por Murray e Johansson para “More than this”, de Bryan Ferry, e “Brass in Pocket”, dos The Pretenders.

Falando em Murray e Johansson, ambos estão num ótimo momento de suas carreiras em “Encontros e desencontros”. Ele, que foi colocado no mapa dos filmes indie desde 1998 com “Três é demais”, de Wes Anderson, pôde participar de um filme realmente bom, mas que não exigisse uma atuação tão estilizada como em “Os excêntricos Tenenbaums” (2001), também de Anderson. Já Scarlett, mesmo já tendo uma carreira como estrela mirim e participado do ótimo, porém não tão popular “Ghost World – Aprendendo a viver” (2001), só foi lançada ao estrelato mundial com “Encontros e desencontros”.

Como nem tudo são flores, pode-se dizer que algumas representações da cultura oriental são cercadas de certa aura de preconceito em “Encontros e desencontros”. Há vários momentos em que as diferenças culturais entre os protagonistas ocidentais e as outras pessoas que os cercam são rechaçadas, como quando os japoneses tentam se comunicar em sua língua nativa com os americanos estrangeiros e estes fazem troça do fato. Ainda que não se tratem de momentos de agressividade explícita, isso traz certo incômodo ao espectador que não possui o background específico das representações do povo norte-americano no cinema, que regra geral tem a tradição de defender seus valores e hábitos no que inferioriza práticas diferentes. Por sorte, isso não chega a prejudicar o filme, uma vez que sua atmosfera é toda construída a partir do estranhamento de pessoas que não apenas estão num local em que não escolheram estar, mas também levam uma vida que não escolheram ter.

A exceção desse pequeno porém, “Encontros e desencontros” é um filme de grande sensibilidade. Ele mostrou em maior escala que o talento de Sofia Coppola era capaz de se sustentar para além da figura de seu pai, além de explicitar um estilo próprio de direção e, de quebra, lembrar ao grande público o quanto Bill Murray pode ser legal (ainda não foi dessa vez, mas pelo menos ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator em 2004). Passados 11 anos de seu lançamento, a obra se mostra como ponto essencial para o entendimento dos temas e simbolismos trabalhados na filmografia de sua diretora e ruma para a posição de pequeno clássico do cinema.

Nota: 9,0