“Entre Irmãs”, mais novo trabalho de Breno Silveira (do bom ‘Dois Filhos de Francisco’ e do competente ‘Gonzaga – De Pai Para Filho’), na estrutura em que foi levado para as telonas, talvez funcionasse melhor na telinha. O drama é um filme de contrastes, e neles se apoia para construir toda a sua narrativa. O problema é que, a despeito das belas imagens e das atuações fortes de sua dupla de protagonistas, a temática – infelizmente atual – quase se perde pelo alto número de histórias paralelas despejadas pelo roteiro.

O filme acompanha duas trajetórias distintas, mas que tiveram o mesmo início: Luzia (Nanda Costa) e Emília (Marjorie Estiano) são irmãs nascidas e criadas na cidade de Taquaritinga, no sertão de Pernambuco, na década de 1930. A primeira, vítima de um acidente na infância, convive com limitações físicas, enquanto a segunda sonha e literalmente reza por um príncipe encantado. A história propriamente dita começa a se movimentar ao que as duas são separadas, quando Luzia é levada por um grupo de cangaceiros e se envolve com Carcará (Julio Machado), líder deles, e Emília se muda para capital Recife após casar com Degas (Rômulo Estrela), um jovem de uma família abastada.

Como falei no início do texto, são os contrastes que conduzem toda a narrativa. O principal deles é o que diz respeito às personalidades das irmãs. O filme apresenta Luzia como uma criança corajosa e petulante, e Emília como uma menina receosa. Após o acidente e a passagem de tempo, a narrativa reintroduz a primeira mais retraída e a segunda com traços mais irreverentes e otimistas.

O mise-en-scène é o que salta aos olhos no ato inicial, com a cena onde Emília aparece em primeiro plano, limpando os pés para “atrair o príncipe encantado”, e Luzia é mostrada no canto da tela, com o braço machucado em destaque. Apoiado pela direção de fotografia de Leo Resende Ferreira, o aspecto é fundamental na apresentação dos cangaceiros como as figuras que a cidade julgava serem ameaçadoras e na primeira interação de Luzia com o grupo – a personagem está posicionada de modo a parecer vestir um chapéu de cangaceira, o que já sugere o seu papel futuro.

Após a separação das duas, os contrastes que regem o filme são bem pontuados pela montagem. Enquanto uma tem aulas de etiqueta, a outra aprende a manusear uma arma; se uma tem uma primeira noite de sexo sem paixão e forçada por convenções, a irmã descobre o sexo acompanhado do amor genuíno.


Machismo made in 1930

Mas nem só de amor vive “Entre Irmãs”. Os caminhos das irmãs são ganchos para que a obra aborde temas tão atuais nos dias de hoje quanto nos anos 1930. O papel das minorias  nesses dois contextos sociais têm retratos interessantes no filme: companheira do líder dos cangaceiros, Luzia tem em um jovem negro seu ponto de apoio enquanto ouve provocações e abusos geralmente destinados a sua habilidades nos afazeres “domésticos”.

Ao longo do filme, os diálogos apontam a consciência de cada uma das irmãs sobre as limitações que lhe eram impostas. Em momento do filme, uma delas diz: “O mundo não é bom para as mulheres. A honra da gente determinado não tá debaixo da barriga”. Algumas cenas depois, outra afirma que “não precisa ficar rica, só quer ser independente”.

Quando o filme se perde

A nota mais amarga do filme, no entanto, é que ele ousa tocar no tema homossexualidade e até “cura gay” e não segue adiante com a discussão em detrimento de outros pontos narrativos que poderiam ser dispensados, como a insistência com personagem de Angelo Antonio (que poderia ser facilmente substituído por uma carta ou elipse).

É uma pena que uma oportunidade dessas seja desperdiçada a esta altura do campeonato em favor de uma narrativa mais quadrada e de alguns diálogos desnecessários que podem até convencer o espectador mais inebriado pelo tango “Por Una Cabeza” ou aquele mais habituado “apenas” com o beijo gay pontual de todo fim de novela. São passos pequenos, ainda.

O que mais se destaca nas mais de duas hora e meia de filme é o trabalho da dupla protagonista. Nanda Costa leva no olhar as dores físicas e emocionais de Luzia e constrói uma personagem literalmente calejada pela vida, mas que finalmente encontrou um propósito. Já Marjorie Estiano parece ter mais a fazer com uma personagem que tem um arco mais amplo (e, consequentemente, mais cheio de pontas soltas no fim das contas). A atriz segue como uma das atrizes mais interessantes de sua geração e faz de sua Emília uma mulher que perdeu a ingenuidade “na marra”.

Com histórias paralelas demais, “Entre Irmãs” sofre do velho problema de querer fazer novela no cinema e esquecer que são dois produtos distintos, cada um com suas peculiaridades. É um filme que poderia ser excelente, mas tropeça ao não perceber a força de seu núcleo principal.