Marcelo Gomes dirigiu Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. Os dois filmes se destacam por sua sensibilidade. Neles, o “Nordeste Profundo” vira o palco para os conflitos existenciais de homens que viajam à procura de algo que dê sentido às suas vidas.

Com essa filmografia, as expectativas em torno de cada nova obra do diretor são pra lá de positivas. Contudo, ele não escapa da possibilidade do erro. E este veio em doses substanciais no seu mais recente longa, Era Uma Vez Eu, Verônica.

Verônica (Hermila Guedes) começa uma nova fase na vida ao entrar na residência em psiquiatria. Enquanto aprende a lidar com os problemas dos pacientes, ela não sente a menor vontade de ter um relacionamento sério. O sexo sem compromisso lhe basta. Mora com o pai, Zé Maria (W.J. Solha), que tem uma doença terminal não dita, e sente-se bem só quando é acolhida pela imensidão do mar.

O potencial da protagonista some com a falta de foco do roteiro. Nenhum dos elementos da história é desenvolvido satisfatoriamente. Por exemplo, quando achamos que vamos ver com mais profundidade a projeção dos conflitos e medos de Verônica nos pacientes, a narrativa, com pressa, vai para outro ponto, deixando este anterior pelo meio do caminho. Infelizmente, isso é um padrão pelas infinitas duas horas do filme.

Hermila Guedes se destaca em “Era Uma Vez”. Mas não há talento que sustente a falta de carisma da história, que simplesmente vai passando na tela sem ter nenhum conflito ou momento de expressão. É muito provável que os espectadores, ao contrário da intenção de qualquer realizador, anseiem pelo fim do filme para poderem ir para suas casas.

É triste ver João Miguel, um dos maiores nome do cinema nacional na atualidade, ser subaproveitado. Gustavo, seu personagem, serve apenas como um meio para mostrar a falta de vontade de Verônica de ter um relacionamento sério. Não há nenhuma outra camada de personalidade nele.

Assim como Gustavo, as amigas da protagonista só servem, em tese, para mostrar mais da personalidade dela. Percebe-se que elas só servem para isso. Não são humanas. Para piorar, elas também tentam ser um alívio cômico à história, principalmente a gordinha. A falha delas e do roteiro com isso constrange.

“Era Uma Vez” ficaria menos irregular se não tivesse algumas gorduras. Por exemplo, a cena com a moça descendente de chineses no bar não explica e nem acrescenta nada à história. Para completar, a fotografia também engorda o longa. Não há nenhuma explicação convincente para a espera pela saída do avião da tela na cena em que Verônica e as amigas conversam no terraço de um prédio. Essa escolha não impactou pela estética e, muito menos, pela criação de algum sentido.

O pato é um bom exemplo do perigo de querer abraçar o mundo com as pernas. Ele tem asas, mas não voa direito; tem bico, mas não sabe usá-lo bem; tem pé, mas é desengonçado; até que consegue nadar, mas está longe de ser um dos melhores nessa área. Era Uma Vez Eu, Verônica age como a ave. Quer dizer tudo e, no final, não diz muita coisa. Dessa forma, o longa se tornou o patinho feio na carreira do diretor.

O lado bom dele é que percebemos com clareza que até os grandes estão propensos ao erro.

Nota: 6,0