A partir de meados da década de 1990, três cineastas mexicanos começaram a se destacar e pouco a pouco conquistaram reconhecimento mundial, indo depois para Hollywood: Alfonso Cuáron, Guillermo Del Toro e Alejandro González Iñarritu. Os três são muito amigos, no entanto Iñarritu sempre se mostrou um pouco diferente dos demais. No cinema americano, tanto Del Toro quanto Cuáron já comandaram produções ambiciosas que requereram novas técnicas de filmagem e efeitos visuais em profusão. Já Iñarritu só agora começa a se aventurar nessa área com Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), o trabalho pelo qual concorre ao Oscar de melhor diretor na cerimônia deste ano.

Nascido em 1963 na cidade do México, quando o jovem Iñarritu viajou de cargueiro e percorreu a Europa e a África. Essa experiência, segundo ele, influenciou bastante na sua visão de mundo. Ao voltar para o México, estudou Comunicação na Universidade Ibero-americana e trabalhou por anos como radialista. Curiosamente, ele começou a se envolver com cinema compondo música para filmes mexicanos, e em 1995 dirigiu seu primeiro trabalho, ainda para a TV, um programa piloto intitulado Detrás del Diñero.

amores brutos Alejandro González Iñarritu gael garcia bernalEm 2000 Iñarritu lançou seu primeiro longa-metragem para cinema, um projeto marcante que logo de cara conquistou aclamação mundial. Amores Brutos era quase um épico ambientado na cidade do México e contava três histórias paralelas que se encontravam – melhor dizendo, colidiam – num acidente de trânsito. Era sobre três pessoas e seus cachorros: um rapaz que fazia seu rottweiler competir em rinhas para ganhar dinheiro suficiente para poder fugir com a namorada do irmão; uma modelo que via sua aparência mudar para sempre após o acidente, e um mendigo que descobria no cachorro do rapaz uma razão para redimir a sua vida.

Amores Brutos ganhou o prêmio da semana da crítica no Festival de Cannes e foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro. O longa também revelou o ator Gael García Bernal e marcou o início de uma parceria entre Iñarritu e o roteirista Guillermo Arriaga que se estenderia ainda por mais dois filmes.

O projeto seguinte do cineasta já foi rodado nos Estados Unidos com um grande elenco. O drama 21 Gramas (2003) era novamente uma narrativa complexa centrada em três personagens, vividos pelos atores Sean Penn, Naomi Watts e Benicio Del Toro, cujas vidas são moldadas por uma tragédia. O drama era muito intenso e Iñarritu, juntamente com seu montador Stephen Mirrione, embaralhou cronologicamente as cenas do filme, criando uma experiência diferenciada e devastadora na qual o espectador até podia saber o futuro de alguns dos personagens, mas vê-los chegarem até esse ponto amplificava as suas tragédias pessoais. Por 21 Gramas, Watts e Del Toro receberam indicações ao Oscar.

babel Alejandro González Iñarritu brad pittO terceiro filme da “trilogia” de Iñarritu e Arriaga já começou a mostrar sinais de desgaste. O mediano Babel (2006) trazia um elenco internacional – Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal – numa história de personagens conectados por quatro países. O segmento do filme no Japão era o melhor e trazia a melhor atuação do longa, a da jovem Rinko Kikuchi, porém o segmento do México era marcado por improbabilidades e situações forçadas. Mesmo assim, Babel teve destaque nas premiações, mais do que Amores Brutos ou 21 Gramas, embora estes sejam superiores. O longa ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme na categoria drama e recebeu sete indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor.

Depois de Babel, Iñarritu e Arriaga romperam sua parceira – até hoje persistem boatos de que eles não se separaram em bons termos. O próximo filme do cineasta só veio bem depois, e foi novamente um trabalho mediano. Biutiful (2010) foi o primeiro longa de Iñarritu falado inteiramente em espanhol desde Amores Brutos, e trazia  Javier Bardem como um viúvo que mora em Barcelona e se mete em negócios estranhos para sustentar seus filhos. Quando descobre que tem câncer, o personagem adquire a capacidade de falar com os mortos. A mão pesada do diretor para o drama fica muito evidente aqui, e apesar da ótima atuação de Bardem – indicado ao Oscar – o filme é simplesmente muito pesado e com algumas subtramas descartáveis. No entanto, em Biutiful já se vê um Iñarritu disposto a brincar com temas mais fantasiosos – enquanto seus companheiros Del Toro e Cuáron são adeptos do cinema fantástico, Iñarritu sempre se diferenciava deles por ser afeito ao realismo e aos dramas de pessoas comuns.

A experiência de Biutiful parece ter animado Iñarritu a buscar imagens e temas mais fantásticos, pois são eles que emergem com força total em Birdman. O filme conta a história do ator Riggan Thomson, que outrora ficou famoso como super-herói de Hollywood, o Homem-Pássaro do título, e agora busca reerguer a carreira atuando na Broadway. Realidade e fantasia se misturam quando Riggan embarca numa viagem particular na qual o stress da peça e visões do próprio Birdman se misturam para levá-lo à loucura. O grande elenco traz Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone e Naomi Watts, entre outros, e o filme acaba sendo uma meditação maluca sobre a arte e o estado do cinema atual. A mão é um pouco pesada, claro, e a sátira às vezes um pouco raivosa, mas Birdman é realmente uma experiência singular, empolgante e intrincada como os primeiros filmes do cineasta – Iñarritu filmou a história como numa única tomada sem cortes, e graças a efeitos visuais e transições inteligentes, o efeito é poderoso.

Birdman parece ter se tornado o favorito para ganhar o Oscar neste domingo e Iñarritu é forte candidato ao prêmio de Melhor Diretor. Nada mal para o primeiro cineasta mexicano a ser indicado ao Oscar de Direção, e ele pode acabar ganhando o prêmio um ano depois do seu colega e amigo Alfonso Cuáron, que foi premiado por Gravidade (2013). O cinema de Iñarritu é sempre inventivo e poderoso, e essas qualidades se mantêm mesmo que às vezes ele erre a mão. Trata-se de um artista disposto a correr riscos e a tirar o espectador da sua zona de conforto. Mesmo que seja algo forte como Amores Brutos, ou falho como Babel, ou criativo como Birdman, uma coisa é certa: o espectador nunca consegue agir com indiferença frente a um filme de Iñarritu.

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