Sexta-Feira 13 (1980) é provavelmente o filme mais despretensioso que já deu origem a uma franquia milionária de Hollywood. Visto hoje, é impressionante como o filme do diretor Sean S. Cunningham é modesto e simples, ainda mais em comparação com as suas sequências, mais bem produzidas. E houve muitas delas: hoje existem 10 filmes Sexta-Feira 13, o derivado híbrido Freddy vs. Jason (2003) no qual os dois ícones do terror dos anos 1980 se encontraram, e o reboot da franquia, o Sexta-Feira 13 de 2009 produzido pela Platinum Dunes, a companhia do cineasta Michael Bay.

São muitas mortes em mais de 30 anos de franquia, claro. Ah, e sobre o Jason: ele não aparece neste Sexta-Feira 13 original, exceto por um momento, concebido como uma gag, um susto final confessadamente inspirado  pelo desfecho de Carrie, A Estranha (1976) de Brian De Palma (ou “copiado”, diriam alguns). Mais sobre isso depois…

As origens do projeto são conhecidas hoje. Cunningham já tinha uma associação com o terror por ter produzido Aniversário Macabro (1972) do seu amigo Wes Craven. O filme fez sucesso, mas era muito forte e, claro, foi execrado pela crítica. Em busca de respeitabilidade, Cunningham passou anos fazendo projetos fracassados, alguns voltados até para o publico infantil. Então veio Halloween: A Noite do Terror (1978), de John Carpenter, e Cunningham enfim decidiu voltar ao terror seguindo a linha do slasher, o filme de matança. Reuniu todo o dinheiro que tinha, pegou o roteiro escrito pelo amigo Victor Miller e se mandou para o mato com seus jovens atores e um ás na manga, o gênio criador de efeitos de maquiagem Tom Savini.

Cunningham queria um filme para “assustar e divertir”, de acordo com suas palavras. Quase como um passeio no trem-fantasma, e não queria repetir a intensidade e o niilismo de Aniversário Macabro. E esse é o espírito do longa que a sua equipe trouxe do Acampamento NoBeBosCo no Estado de Nova Jersey, que serviu como locação para o famoso Acampamento Crystal Lake da história. Sexta-Feira 13 não é um grande filme, mas é um filme efetivo, que funciona dentro daquilo que propõe a fazer: chocar o espectador num momento, fazê-lo sorrir e comer pipoca no próximo.

A trama do filme começa em 1958 e de certa forma, este prólogo de uns cinco minutos representa a essência, não só desta produção, mas também do resto da franquia: a maior parte do que se vê nos demais Sexta-Feira 13 pode ser interpretado como variações desta cena. Um casalzinho de jovens monitores do já referido Acampamento vão para um cantinho escondido para transar, enquanto a câmera passeia pelo exterior do lugar até encontrá-los. Então a câmera os mata, pois ela representa o ponto de vista do assassino – a associação entre sexo e violência se torna parte integral do mito da franquia desde o início.

O filme então salta para o tempo presente – no caso, final dos anos 1970. Steve Christy (Peter Brouwer) está trabalhando para reabrir o Crystal Lake após anos de inatividade – durante os quais surgiram lendas entre os mais velhos da cidade a respeito da maldição do lugar. Isso não impede os jovens de voltar ao Crystal Lake, enquanto são seguidos e mortos, um por um, pelo “assassino da câmera”.

O ponto-de-vista do assassino virou um traço comum dos filmes slasher – havia sido usado brevemente na abertura de Halloween, mas foi Sexta-Feira 13 quem popularizou a prática. Neste caso ele serve para esconder a identidade do assassino até os últimos 20 minutos do filme, mas também foi interpretado por críticos e teóricos do cinema como uma forma de fazer com que o publico se identificasse com os vilões, adicionando à polêmica dos slashers.

No entanto, lendo isso alguém pode pensar que Sexta-Feira 13 é um filme de suspense intenso. Não é para tanto: o filme é meio paradão, ainda mais para as plateias de hoje, e o suspense se dilui – neste quesito, algumas das sequências são mais bem resolvidas e ágeis. O elenco jovem é simpático, mas basicamente todos interpretam a si mesmos – do elenco, apenas Kevin Bacon teve uma carreira expressiva, e talvez o fato dele ter a melhor cena de morte, exceto pela do vilão, tenha ajudado nisso… E, além disso, Sexta-Feira 13 é quase uma cópia de A Mansão da Morte (1971) do italiano Mario Bava – Cunningham sempre disse que não viu Mansão antes de fazer seu filme, mas o longa italiano é praticamente uma planta-baixa dos slashers e de Sexta-Feira 13 em particular, e a Parte 2 da franquia copiou descaradamente duas mortes do trabalho de Bava.

Se o filme se destacou e conseguiu um sucesso sem precedentes dentro dos slashers, isso se deve a dois fatores: a trilha de Harry Manfredini e os efeitos de Savini. A trilha, claro, é uma variação da música de Psicose (1960), de Alfred Hitchcock – os temas de abertura são particularmente parecidos. Porém Manfredini compôs também o famoso “ki ki ki, ma ma ma” que entrou para o imaginário popular, para as cenas em que a câmera segue (ou “stalkeia”, na gíria moderna) os personagens. Essa composição tão simples teve grande impacto sobre o publico, a ponto de ser tão lembrada quanto as mortes ou o próprio Jason.

E o trabalho de Savini merece o adjetivo “genial”. Buscando o realismo, ele criou com pouco dinheiro alguns das cenas de morte mais convincentes da história do cinema, e seu trabalho aqui ainda se sustenta. O filme tem de tudo: um corte no pescoço altamente realista – a morte da personagem Annie ainda faz desviar os olhos – machadada no rosto, a famosa flecha que atravessa o pescoço do personagem de Bacon e, claro, a decapitação do final. Os efeitos realistas de Savini tiveram até de ser um pouco amenizados na montagem, para não quebrar a atmosfera divertida que Cunningham queria para o filme.

E como em vários dos outros Sexta-Feira 13, é nos minutos finais que o suspense realmente domina. A revelação [SPOILER] da assassina, a senhora Voorhees (uma caricata e divertida Betsy Palmer, que adorou sua participação no filme até sua morte recente), no fundo também é tirada de Psicose – a mãe sendo a culpada neste caso. Mas é inegável que nestes últimos 20 minutos o filme esquenta um pouco, até culminar na única aparição de Jason, o filho da senhora Voorhees, neste primeiro capítulo da franquia. É o susto final, um momento que fez as plateias pularem no assento em 1980 e continua fazendo isso até hoje.

 As matanças do Jason, em busca de vingança pela mãe, mais tarde caíram na rotina, mas por um breve momento em 1980, o publico de cinema viu algo que não tinha visto antes. Cenas de morte criativas e impressionantes, aliadas a um clima de isolamento realmente bem construído e a uma atmosfera de história contada em volta da fogueira. Sexta-Feira 13, o original, mostra que a história do cinema não é só construída de grandes filmes ou obras-primas. Às vezes um filme pode até ter problemas, mas caso mostre às pessoas algo que elas nunca viram antes, e o faça com competência e criatividade, então o resultado final pode ter valor e resistir ao tempo. Há 35 anos um grupo de jovens cineastas entrou no mato para fazer um filme, e saiu de lá com um artefato que entrou para a história da cultura pop. Eles nunca imaginavam que isso poderia acontecer, e por isso este filme possui uma pureza que os outros Sexta-Feira 13 não possuem. A pureza do “uma câmera na mão, uma ideia na cabeça” que, às vezes, catapulta realizadores para a fama e o sucesso.