Com o Halloween chegando, o cinéfilo que curte filmes de horror se prepara para conferir bons filmes no gênero. Você até deve se perguntar: Será que existem filmes nacionais de terror? Sim, eles existem e você até consegue encontrar trabalhos de ótima qualidade. Só que antes de aprofundarmos nos filmes, há alguns princípios e dicas que você precisa conhecer sobre o cenário de horror no cinema nacional:

  1. A cultura brasileira tem dificuldades de preservar a memória de seus filmes;
  2. O cinema de horror brasileiro é visto como um fenômeno raro, muito em razão do seu registro deficiente de trabalhos, mas ele é representativo e expressivo;
  3. A maioria dos filmes não são lançados nos cinemas tradicionais e quando isso acontece são os mais fracos. Por isso para conhecer a “nata” do horror nacional você precisa garimpar no circuito alternativo;
  4. O auge dele foi à década de 60-70 graças a um sujeito chamado José Mojica Marins, cujo personagem Josefel Zanatas vulgo Zé do Caixão virou referência internacional.
  5. Lembre-se, antes de dizer que o cinema de horror nacional não existe: há muitos bons filmes no gênero a serem descobertos.

Apesar das dificuldades, estima-se que aproximadamente 150 filmes de horror foram produzidos no século XX. Mojica é a grande referência no gênero. Caso você associe este mestre do horror sobrenatural ao conceito de Trash apenas em razão do seu programa o Cine Trash, está na hora de rever seus conceitos, até porque fora do Brasil, ele é bastante cultuado e conhecido como Coffin Joe.

Junto com Mojica, o cineasta Ivan Cardoso foi outro que deu um upgrade ao gênero na década de 80 adicionando humor e irreverência aos filmes, o que levou a realizar diversas obras “Terrir”. Por mais que o cinema de horror nacional caminhe a passos de tartaruga, temos uma boa safra de diretores talentosos surgida nos últimos 10 anos, graças à expansão da tecnologia digital, onde mesmo com recursos orçamentários limitadíssimos, apresentaram resultados bem acabados e inventivos.

É uma pena que nos últimos anos, os raros filmes que aportam nos cinemas, são trabalhos fracos como Isolados e Desconhecidos. Outros mais dignos não têm a mesma sorte e ficam restritos à internet ou a circuitos independentes. Esta lista do Especial de Horror do Cine Set, vai trazer algumas boas produções que também deram uma boa contribuição ao gênero nacional –abaixo  estão listados por ordem cronológica de lançamento. Aqui é o espaço para conhecer algumas pérolas nacionais. Já aviso que o acesso alguns trabalhos será difícil, apesar de que hoje neste mundo tecnológico nada é impossível. Na verdade para curtir o cinema nacional, garimpar e paciência são as qualidades mais eficientes para cumprir a missão final. Boa diversão.

  1. Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967), de José Mojica Marins

Segundo filme da trilogia de Zé do Caixão – na qual Mojica só finalizou em 2008 com Encarnação do Demônio. É um dos raros trabalhos que a continuação é superior que o original. Depois de sobreviver no filme anterior, Zé do Caixão retorna raptando seis mulheres para escolher a parceira e mãe dos seus filhos.

Apesar da trama simples, Mojica brinca com os costumes e crendices da cultura popular tupiniquim. É também bem ousado na blasfêmia moral e religiosa que não poupa o espectador de momentos de violência sexual, sangue e mortes grotescas. Destaque para a única cena colorida do filme (o restante é todo preto e branco), um sonho de Zé do Caixão chegando ao inferno encenada em uma viagem lisérgica pura.

  1. O Anjo da Noite (1974), de Walter Hugo Khouri

Ainda que tenha seu nome associado ao cinema de arte (é responsável pelo ótimo Noite Vazia), Khouri (falecido em 2003) se aventurou pelo horror apenas duas vezes como é o caso deste interessante terror psicológico. Ana, jovem estudante é contratada como babá de duas crianças de uma família que mora em um casarão isolado. Deixada sozinha, ela passa a receber estranhos telefonemas. Filmado em Petrópolis, O Anjo da Noite é inspirado em uma famosa lenda urbana. Khouri transforma um filme simples em um espiral psicológico carregado de uma atmosfera misteriosa e cheia de ambiguidades, sem contar a alegoria social proposta pelo roteiro. No geral, um terror sofisticado e tenso que faz uma boa associação com a imersão da loucura em ambientes isolados – uma clara referência de O Iluminado de Kubrick.

  1. O Segredo da Múmia (1984), de Ivan Cardoso

É um dos filmes mais deliciosos do cinema de horror nacional, e quiçá do cinema brasileiro como um todo. Dirigido por Ivan Cardoso,  o mestre do Terrir, é um puro nonsense que homenageia os filmes clássicos da Universal em uma trama tresloucada que é até difícil fazer um resumo pelo enredo rocambolesco. Destaque para a maior cena de sexo do cinema de horror envolvendo Regina Casé. No fundo O Segredo da Múmia é a versão nacional bizarra de O Jovem Frankenstein de Mel Brooks. Cardoso depois realizaria outros dois filmes fechando a trilogia: As Setes Vampiras e Um Lobisomem na Amazônia, este filmando em Manaus e lançado 20 anos depois.

  1. Shock (1984), de Jair Correa

O título é o mesmo de um filme do Mestre Mario Bava, mas estamos falando de uma produção tupiniquim que é uma versão dos slashers americanos, no caso a versão brazuca de Sexta-Feira 13. Seis jovens são perseguidos por um misterioso assassino após um show de rock. Apesar das limitações do roteiro, Shock é interessante por subverter alguns clichês neste subgênero e apresenta personagens simpáticos e menos burros que as produções americanas, além do final surpreendente. A direção de Jair Correa acerta na montagem dinâmica e nas mortes elegantes – todas filmadas em câmera lenta. O elenco conta com as atrizes globais da época como Aldine Muller e Mayara Magri. Marcou o último filme de Correa que dirigiu apenas três filmes na carreira.

  1. Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado Parte 2 – A Hora da Volta da Vingança dos Jogos Mortais de Halloween (2011), de Felipe M. Guerra

A começar pelo extenso título – talvez o maior de toda história do cinema – Felipe M.Guerra realiza uma ótima paródia dos filmes de slashers, uma verdadeira tiração de sarro com Pânico de Wes Craven. É uma continuação mais divertida que o original – lançado 10 anos antes – também dirigido por este diretor gaúcho amantes de filme B. Há diversas referências que vão dos filmes mais banais de terror aos intelectuais – o Iluminado é um deles. É bem mais divertido que outra sátira (Todo Mundo em Pânico) e provoca  mais risos que grande parte das comédias nacionais. A produção pobre e limitada – custou a bagatela de 3 mil reais – é compensada com o roteiro esperto que aproveita bem os clichês dos filmes de terror. É Cinema nacional de horror independente feito com bastante criatividade.

  1. Mar Negro (2013), de Rodrigo Aragão

Aragão é um dos cineastas mais interessante do horror nacional nos últimos anos.  Faz cinema que lembra bastante os filmes de Sam Raimi (Evil Dead) e Peter Jackson (Fome Animal). Mar Negro trata de uma epidemia zumbi que ataca uma comunidade rural depois que um pescador é mordido por baiacu-sereia(!!!!). Aragão acerta ao inserir o terror tropical utilizando as lendas do folclore nacional. O roteiro destila ironia e na caracterização divertida dos personagens – Cristian Verardi comanda o show do elenco. Os efeitos especiais são de encher os olhos pela qualidade, bem como na caracterização das criaturas. Os exageros são evidenciados pelo uso do gore excessivo e do humor politicamente incorreto. É divertido como os outros trabalhos do cineasta, fechando com louvor sua trilogia folclórica, iniciada com Mangue Negro seguida da  Noite dos Chupacabras. Mostra que o cinema nacional independente pode fazer horror de boa qualidade.

  1. Quando Eu Era Vivo (2014), de Marco Dutra

Dutra já tinha flertado com o terror social e psicológico com o interessante Trabalhar Cansa, mas é aqui que ele assume totalmente o horror psicológico clássico. É um trabalho artesanal principalmente na construção do clima e atmosfera de medo. O suspense é desenvolvido de modo crescente que contribui para o final impactante. Mesmo com a presença de temas sobrenaturais como o ocultismo e magia negra, o cineasta faz uma boa associação entre eles com o enredo familiar – a obsessão pelos segredos familiares. Possui um paralelo interessante com Som Ao Redor de Kleber Mendonça pois ambos exploram o horror social da classe média. Destaque para Antonio Fagundes, excelente como o pai que tenta negar o seu envelhecimento e o seu passado. No geral, Quando Eu era Vivo é um belo exemplar nacional no gênero de terror a ser descoberto.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.