Wes Anderson, a rigor, deveria ser um sujeito insuportável – e seus filmes idem. A primeira imagem que alguém tem de um hipster poderia ser a foto dele num dicionário: sempre impecavelmente trajado, com ternos bem cortados e gravatinhas borboleta, ele se veste igual a um personagem dos seus filmes. Ele também passa a impressão de ser uma daquelas pessoas que vive quase que inteiramente dentro do seu próprio mundinho, e isso deveria resultar numa produção artística sem vida, só estilo e sem conteúdo.

Bem, apesar de tudo isso, ele não é insuportável. Sempre bem articulado em suas entrevistas e irradiando uma genuína paixão e interesse pelo cinema, de algum modo Anderson não se torna refém das suas ligeiras afetações. E, embora seus filmes sejam muito, mas MUITO cheios de estilo, eles até têm substância – quase sempre, afinal não consigo engolir Viagem a Darjeeling (2007). São construídos de forma tão única que e especial que o resultado quase sempre foi, no mínimo, divertido e cheio de vida.

O fato de Wes Anderson ser tão querido hoje, por cinéfilos e críticos, se deve ao fato de ele ser honesto em sua arte. E as sementes dessa honestidade foram plantadas logo cedo, em Três é Demais (1998), que foi seu segundo longa-metragem – escrito antes de Pura Adrenalina (1996), mas filmado depois. O protagonista parece com o próprio Wes, ou como o imaginamos que ele deveria ser na juventude. O roteiro foi escrito por Wes e seu amigo Owen Wilson, e ambos conhecem aquele universo escolar-acadêmico descrito no filme. A escola onde o diretor estudou, inclusive, foi usada como locação, fazendo às vezes da Escola Preparatória Rushmore.

É lá que se desenvolve a tragicomédia dos personagens da história. Max Fischer (vivido por Jason Schwartzman), apesar de parecer brilhante e maduro, não sabe de nada sobre a vida. Ele é apaixonado pela professora  Rosemary Cross (Oliva Williams, a melhor do elenco). Rosemary, por sua vez, é apaixonada pelo homem perfeito… Um que já morreu. E o outro vértice do triangulo amoroso, o milionário Herman Blume (Bill Murray), é outro que não tem noção da realidade – um homem podre de rico, mas com filhos terríveis e uma existência vazia. Os três entram num conflito ora engraçado, ora triste: o título brasileiro pode sugerir uma comédia com momentos abobalhados, mas na verdade o filme é mais sutil e até com uma pitada de tristeza.

É preciso realmente um cineasta especial que consiga equilibrar esse tom: num momento você ri, no outro o filme adquire uma profundidade insuspeita, e há também momentos nos quais você não sabe o que sentir. Foi também um projeto especial para o cineasta: seu estilo está ainda mais refinado que em Pura Adrenalina – afinal, ele está conduzindo uma história até mais estranha – e marcou também sua primeira colaboração com Murray e Schwartzman, dois nomes que vieram a se tornar quase indissociáveis do de Wes Anderson. A experiência de trabalhar com Murray aqui, em especial, capacitou Anderson a trabalhar com Gene Hackman, outro grande nome, em Os Excêntricos Tennebaums (2001) – embora ali a experiência não tenha sido das mais tranquilas para o diretor, ela foi válida por “endurecê-lo”, e hoje ele é capaz de trabalhar com qualquer um.

Endurecer também é uma questão crucial para o filme Três é Demais. É fácil ver Max como o análogo de Wes Anderson, e se for este realmente o caso, ele demonstra a sua inteligência como cineasta ao tratar dele, e dos demais personagens. É um filme sobre pessoas desajustadas, à margem de uma existência a qual não conseguem compreender: Mas quem, afinal, não é assim pelo menos por um período da vida? Max é doidinho, mas sua “doidice” é o seu traço de caráter mais especial e o que mais o possibilita a resistir a um mundo estranho. O desfecho agridoce deixa claro que, na verdade, o filme é um elogio aos desajustados, feito por alguém que conhece a realidade que está retratando, mesmo de forma muito idiossincrática e esquisita. Apesar do clima esquisitinho, da simetria nos planos e das situações bizarras, há uma verdade muito humana dentro do filme e ideias sobre a vida e as pessoas.

É por isso que Wes Anderson não é insuportável: Apesar de parecer um personagem de desenho animado, ele na verdade é bastante humano e consegue imbuir seus filmes de uma estranha humanidade. E embora Três é Demais não seja realmente o melhor filme dele, foi um trabalho importantíssimo na sua carreira, justamente por direcioná-lo a essa humanidade. Nem que seja uma visão de humanidade estilo Wes Anderson.