‘Fala Comigo’ não é um filme de fácil digestão. Disposto a abordar temas sensíveis da sociedade, o longa brasileiro apresenta uma coragem admirável ao retratar o relacionamento amoroso entre uma mulher psicologicamente instável de 43 anos e um adolescente de 17 anos, que ainda está descobrindo sua própria sexualidade.

Na trama, Diogo (Tom Karabachian) tem um estranho fetiche: ele sente prazer ao ligar para as pacientes de sua mãe, a terapeuta Clarice (Denise Fraga). Certo dia, ele liga para Ângela (Karine Teles), uma mulher mais velha que acaba de se separar do marido. Os dois iniciam uma complicada relação pelo telefone, repleta de curiosidade e silêncio.

Dirigido e roteirizado por Felipe Sholl, ‘Fala Comigo’, vencedor de melhor filme de ficção do Festival do Rio 2016, é uma obra extremamente intimista. Isto é facilmente constatado pela predominância de primeiríssimos planos em toda a projeção. Uma escolha que, em certos momentos, se mostra redundante e pouco acertada, visto que o ambiente em que os personagens estão inseridos, neste caso, contribui (e muito) para o desenrolar da história e o estado de espírito em que os encontramos quando a narrativa se inicia.

Para uma direção que depende fortemente do trabalho de atores, as escolhas de Denise Fraga, Karine Teles e do estreante Tom Karabachian se mostra um dos maiores méritos da produção. Enquanto Teles e Karabachian exibem uma química impressionante na pele de dois personagens passionais e com necessidade de aceitação, Fraga é um interessante contraponto, em uma atuação madura de uma mulher mergulhada em contradições.

Aqui, é válido dizer que os trabalhos de Sholl e Fraga são tão bem executados que, mesmo o filme deixando clara a sua posição de apoiar o casal de protagonistas, se torna inevitável considerar a natureza nociva e hermética da relação. Primeiro por ficar claro que o fato de Diogo buscar conforto nas pacientes de sua mãe mostra uma fragilidade no relacionamento que ele tem com esta, o que nos leva a concluir que, por mais apaixonado que esteja, seu comportamento é, em grande parte, sintomático. Isso sem falar das fortes evidências que sugerem que Diogo enxerga Ângela como uma figura materna, como na cena em que ele deita a cabeça no colo da namorada, assim como havia feito anteriormente com a mãe, quando esta o confrontou.

Segundo, por conta do histórico de relacionamentos de Ângela, que apresenta um padrão abusivo, como apontado por Clarice, no terceiro ato. A diferença, aqui, é que ela sai da posição de agredida para a de agressora. E a “prova” disso vem, em grande parte, da interação de Diogo com seu amigo de escola, que chega ao ponto de o protagonista perguntar para a mãe se é homossexual, mostrando, assim, sua incerteza diante da sexualidade recém-explorada.

Sholl se mostra um diretor e roteirista sensível neste ponto, pois não só explora de forma brilhante a ambiguidade dos personagens, como nos conduz por um processo de reavaliação dos próprios preconceitos. O único ponto de seu roteiro que talvez merecesse mais atenção é a origem do silêncio que assola a família de Diogo, uma vez que vemos Clarice como uma mulher com quem todos, inclusive a filha caçula e o marido, parecem ter problemas em se comunicar.

Embora apresente algumas poucas lacunas em seu desenvolvimento, ‘Fala Comigo’ é um filme expressivo e de grande complexidade, que traz à tona debates profundos e faz com que nos coloquemos facilmente na pele de seus personagens.