Com a obsessão nostálgica aos anos 80, cada vez mais em voga, no cinema hollywoodiano, o número de produções sobre os excessos desse período, na qual, predominava a busca incansável do sonho americano, vem aumentando significativamente. Não demoraria para Hollywood perceber que o boom do narcotráfico na figura de Pablo Escobar e os míticos cartéis de Medellín e Cáli apresentados no seriado de grande sucesso da Netflix, Narcos, dariam um ótimo enredo cinematográfico.

Saem Wagner Moura e seu Pablito, entram Tom Cruise e seu Barry Seal. Feito na América, nova parceria do galã com o diretor Doug Liman é praticamente um spin-off de Narcos feito diretamente para o cinema, ou numa escala menor, o ponto de vista americano repleto de cinismo sobre o tráfico de entorpecentes, trocando a figura messiânica de Escobar, pelo herói americano ególatra, charmoso e simpático, papel que cai como uma luva para Cruise.

 Passado entre o período de 1978 e 1986, acompanhamos a história real do jovem piloto Barry Seal (Cruise), promissor piloto da empresa comercial americana TWA que virou uma espécie de agente duplo: foi recrutado pela CIA na época das confusões da Guerra Fria para atender os interesses políticos americanos do governo Reagan de agenciamento do contrabando de armas na Nicarágua. O problema é que no meio do caminho Barry encontra a explosão do narcotráfico e resolve vender seus serviços ao cartel de Escobar.

Feito na América segue uma narrativa cheia de disposição, assim como os outros trabalhos de Liman como Vamos Nessa (1999) e Identidade Bourne (2001). Ele sabe criar entretenimentos energéticos que transitam muito bem entre os contextos surreais e verídicos, onde a fantasia do cinema muitas vezes se mistura aos fatos reais, dando um tom pitoresco e nonsense a produção. A jornada de excessos de Bary é captada pela fotografia do uruguaio César Charlone com cores saturadas – paletas quentes em cenários onde as ações do crime ocorrem e paletas frias/escuras quando as negociações escusas estão sendo tratadas, como na cena que Barry finalmente conhece Escobar –  que encenam a ode ao individualismo e glamourização do sonho americano.

Liman incrementa seu filme com vários recursos da linguagem cinematográfica para deixá-lo mais cool e despojado: há diversas quebras da quarta parede, com Barry conversando com o público; animações didáticas para explicar as questões políticas das ações americanas e dos efeitos da Guerra Fria; e a câmera na mão sempre em panorâmicas ou movimentos inusitados, criando uma espécie de câmera documental clandestina, como se o próprio público fosse um intruso naquele mundo ilícito e praticamente participasse como um voyeur desta realidade de excessos do consumismo.

Nesse sentido, o roteiro do quase estreante Gary Spinelli consegue incorporar no seu texto, a reflexão sobre a ganância e crime como ótimas analogias à hipocrisia americana do governo Reagan que travava uma luta contra as drogas, sendo que o próprio governo ajudava armar os cartéis colombianos. Essas contradições e excessos do período, são demonstrados por Liman e Spinelli a partir de uma vertente irônica que é hábil em pontuar estes bastidores políticos. E vê Barry não sabendo o que fazer com tantas malas de dinheiro dentro da sua própria casa, é impossível não associar esta cena com o evento da descoberta de um apartamento de um político brasileiro que continha 51 milhões dentro de uma mala, isto é, quando falamos de cobiça, dinheiro e poder, os excessos dos anos 80 ainda aparecem nos dias de hoje.

O curioso é que se Feito na América funciona como uma história paralela dentro do universo de Narcos – temos a narração em voice-over, a narrativa dinâmica com várias subtramas que tratam das relações de poder e um anti-herói carismático, Pablo no seriado e Barry no filme –  essas comparações ainda que ajudem no entretenimento, não deixam de serem também o calcanhar de Aquiles do longa metragem. As três temporadas de Narcos tinha a preocupação de sempre transmitir ao espectador a percepção de mundo do seu protagonista (Pablo), enquanto sua narrativa mesmo didática, delineava bem as questões de causa e efeito, justificando dentro daquele universo, as ações apresentadas ao público.

Neste ponto, o longa fica mais preocupado em entreter seus espectadores por meio da estética grandiosa que realmente é envolvente (além do carisma de Tom Cruise) do que aprofundar sua trama policial-conspiratória, que se revela pouco interessada em compreender a visão de mundo de Barry. A impressão é que ficamos mais seduzido pelo personagem do que pelos arcos dramáticos que ajudem a problematizar e entender todo aquele universo. Não é à toa que por mais que Barry seja um antagonista de enorme carisma como Henry Hill de Os Bons Companheiros (1990) ou Tony Montana de Scarface (1983), falta aquele elemento de identificação que nós una no entendimento das suas ações.

Isso gera um problema de ritmo que cria algumas falhas no texto, principalmente em torno dos personagens secundários como do estranho cunhado de Barry, JB (Caleb Landry Jones, cada vez mais se especializando em personagens estranhos, vide a série Twin Peaks e o filme Corra) que além de ser previsível, tem uma subtrama que apenas serve para encher linguiça. Isso também é evidente no desperdício de personagens como do agente da CIA que recruta Barry, Schafer (o ótimo Domhall Gleeson) e o Xerife Downing (o subestimado Jesse Plemons) que mereciam mais tempo em tela – suas cenas com certezas foram cortadas na edição- diminuindo o potencial dos personagens.

É claro que Tom Cruise é o carregador de piano do filme. Por mais que ele não seja exigido dramaticamente, é bom ver o astro saindo da sua zona de conforto e assumindo um personagem amoral, longe do herói de moral inquestionável. Se a cada filme ruim como A Múmia, Cruise entregasse um filme eficiente como este, até que aguentaríamos mais seu grande ego. Barry é um papel que combina com sua persona e o ator até mostra-se solto em explorar seu timing cômico por meio de um personagem trapalhão, situação que há muito tempo não se via na filmografia do ator.

O resultado é que essa segunda parceria entre Tom Cruise e Doug Liman é leve e divertida, mostrando-se outro grande acerto entre ambos depois do eficiente Limite do Amanhã (2014). Até ajuda a diminuir os erros que ambos fizeram separados esse ano – Liman lançou o sonolento Na Mira do Atirador e Cruise o bizarro A Múmia. Feito na América é um entretenimento saudável graças a sua história absurda que poderia ser considerada inverídica se não tivesse acontecido na vida real. Depois de diversos filmes burocráticos – com exceção da franquia Missão Impossível -, Mr.Cruise dá finalmente um bom gás na sua filmografia.